quarta-feira, 3 de março de 2010

NOVA YORK VENCE O CRIME?

Jaime Oliva

(O texto é uma proposta de aula)

O programa de segurança denominado “Tolerância Zero” adotado em Nova York é entre nós um velho conhecido. Há mais 10 anos ele aparece em nossa imprensa e nas campanhas políticas para cargos de governador e prefeito (principalmente) como um exemplo de política de segurança a ser seguido para combater a criminalidade crescente que infelicita nossas cidades.
A denominação desse programa “tolerância zero” é extra-oficial e tem suscitado aqui no Brasil uma série de deformações. Notícias a respeito apareciam nos jornais diários e o tom predominante era o seguinte: a criminalidade caiu nessa cidade porque (inclusive os pequenos delitos) é tratada com mais severidade do que era até então.
A confusão está em torno do termo severidade que deveria ser trocado por: a criminalidade vem sendo enfrentada com mais competência pelas forças policiais. A idéia de maior severidade e de tolerância zero, passa a impressão de maior dureza e aqui no Brasil a defesa de maior dureza no tratamento da criminalidade é sempre entendida como autorização para a polícia transgredir a lei no combate ao crime, aumentando o número de mortos nas diligências policiais, o que não é o caso em Nova York.
A criminalidade caiu e a polícia mata menos e a lei não é transgredida. Ser mais severo significa punir todos os delitos sem exceção, mas dentro da lei, com mais eficiência e com as penas que já existiam, e não aumentar o castigo e a violência contra o delinquente como muitos estão imaginando por aqui. E aqui já podemos deixar uma questão interessante: por que sempre que se fala em política de combate à criminalidade a questão da competência fica em segundo plano e a do castigo em primeiro?
Preparação da aula
(A) professor (a) deve se munir de dados evolutivos sobre a criminalidade de sua cidade, de sua região, na medida do possível. Se os órgãos públicos não tiverem esse dado disponível, em geral a imprensa local possui. Se conseguir dados brasileiros também ajuda.
A idéia é que o professor tenha informações seguras que sirvam para dar um tom correto no problema, pois a emoção que envolve o tema da criminalidade normalmente tumultua qualquer discussão ou aula, pois passa a ser conduzida por uma estatística manipulada e movida pela paranóia do que acontece em alguns centros, e não necessariamente em todos os lugares.
O professor pode estimular a discussão com as seguintes propostas: a) a questão da violência que vem sendo tratada como um grave problema no país, expressa sua gravidade aqui em nossa região, em nossa cidade? É perceptível um aumento das manifestações de violência? Houve aumento significativo da criminalidade que tenha alterado os hábitos das pessoas? A arquitetura dos edifícios reflete essa mudança?
b) Violência pode ser tratada como sinônimo de criminalidade? É certo que muitas formas de criminalidade usam de violência, mas outras não. Um ato de corrupção é crime, mas não faz necessariamente uso da violência física (eis mais uma diferença violência física e violência não-física). Em grande parte das cidades africanas uma criminalidade com roubos e homicídios é muito baixa, mas há a presença notória de violência nas outras relações (entre etnias, entre homens e mulheres etc.). Aumento de violência e criminalidade são a mesma coisa?
c) Caso os alunos não sejam de cidades grandes seria interessante indagar-lhes sobre a imagem que eles possuem dessas cidades quanto ao tema em questão; e vice versa: para os alunos de cidade grande como eles imaginam que encontra-se o aspecto criminalidade nas cidades menores.
O simplismo na interpretação da criminalidade: o tema da criminalidade é reconhecido como se referindo a um problema gravíssimo de difícil resolução, no entanto, contraditoriamente, ele é sempre tratado como algo não complexo. Para resolvê-lo basta uma polícia enérgica e melhorar a condição econômica das pessoas. Em outras palavras: repressão e emprego. Infelizmente as coisas não são tão simples assim. Vejamos:
A) Nova York frequenta os noticiários sobre esse tema não só porque é Nova York, mas em função de ter sido sempre uma cidade com uma incidência elevada de crimes. Isso mesmo sendo uma cidade muito rica e sempre com uma polícia de porte.
O mesmo pode ser dito em relação a São Paulo, que no quadro brasileiro é disparado a cidade mais rica e com a polícia mais numerosa. E em segundo lugar vem o Rio de Janeiro, e ambas, como mostram os dados têm elevada criminalidade. Na verdade, as duas ao lado de Recife, concentram mais da metade dos crimes em grandes cidades do Brasil. Afinal o que acontece?
Outros dados que chamam atenção no noticiário conhecido quando o tema é criminalidade: são as batidas referências à duas cidades completamente diferentes: Medellín na Colômbia e Joanesburgo na África do Sul. Ambas possuem índice assustador de criminalidade e Joanesburgo é uma cidade rica. Por quê? Certamente nem a questão econômica e nem o papel da polícia, vão por si só explicar essas situações.
Aliás, seria interessante encomendar uma pequena investigação aos estudantes sobre Joanesburgo e Medellín. São casos extremos, de cidades peculiares, porém todas as cidades possuem peculiaridades que devem ser entendidas para refletirmos sobre a criminalidade.
B) A criminalidade baixou em Nova York porque a polícia agiu de modo mais competente em associação com outras políticas, e isso serve para pensarmos o combate da criminalidade em São Paulo e no Rio de Janeiro, por exemplo: a polícia munida de estatísticas verifica a intensidade e a distribuição geográfica dos crimes.
Quando os crimes acontecem em grande quantidade num lugar isso pode indicar que gangs e bandos podem estar controlando a área, que ali eles se territorializaram (não é isso que acontece em muitos bairros periféricos de São Paulo e nos morros do Rio de Janeiro, por exemplo?).
Pois bem, a polícia novaiorquina estuda a situação, diagnostica o quadro e elabora uma ação estratégica para debelar a situação localizada, mas não apenas do ponto de vista da repressão e sim atuando em conjunto com a comunidade que quer livrar-se daquele mal, resgatar seus filhos e poder construir suas vidas em outros moldes. Onde se instala a criminalidade e em que situação ela prolifera?
Muitas respostas podem ser dadas, mas obviamente onde o Estado não está presente e onde as condições são precárias é mais fácil essa instalação. Para debelar a criminalidade nessas áreas é preciso que o Estado se faça de fato presente... para sempre e não apenas momentaneamente.
Em Nova York nas áreas em que a criminalidade era grave, depois de combatido o crime mais imediato, a polícia permaneceu em forma de polícia comunitária, constante e sempre muito bem informada como meio de orientar sua atuação.
C) Retirar um território do domínio de uma gang é resgatar o caráter público de um espaço. Isso não é apenas uma constatação, isso é um principio chave a ser observado no entendimento da vida nas cidades e na questão da criminalidade.
Onde não há o espaço público a criminalidade tende a se elevar: em Joanesburgo não há espaços públicos, somente espaços segregados. A cidade é bem pouco densa, formado com condomínios fechados, ruas vazias, dominada pelo automóvel e com bairros populares super precários.
São Paulo caminha para algo mais ou menos assim: ruas vazias, o andar a pé extinguindo-se, espaços públicos degradados: quem tem que andar a pé obrigatoriamente, invariavelmente vê-se vulnerável pela solidão.
Há um insuperável trabalho sobre cidades da autora americana Jane Jacobs (Morte e Vida das Grandes Cidades Americanas) no qual o tema da segurança das ruas é tematizado nessa direção mencionada. Ruas com vitalidade e com sua dimensão pública preservada são ruas onde o risco da criminalidade é bem menor. Uma boa discussão seria, portanto, caracterizar o que é espaço público e discutir o papel que isso teria na melhoria do quadro da cidade no que se refere à questão da segurança.
D) Por fim, algo bem interessante e ao mesmo tempo intrigante aconteceu com esses últimos dados sobre a criminalidade em Nova York. Essa queda se deu em pleno trauma ocasionado pelo atentado que pôs fim a muitas vidas e as torres do World Trade Center. Nesse período boa parte dos recursos da “tolerância zero” e do empenho da polícia foram desviados por motivos óbvios. Mesmo assim a criminalidade cedeu.
Haveria alguma relação entre esses dois fenômenos? Tamanha violência do atentado teria inibido a violência do crime comum? Eis algo interessante para se refletir.
Bibliografia
Jane JACOBS. Morte e vida das grandes cidades. São Paulo, Martins Fontes, 2000.

Um comentário:

Herlandia disse...

Muito legal suas observações, realmente nos faz fazer uma boa reflexão.
Herlandia Barros