quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Fé no punho

Jaime Oliva

Participar de campanhas humanitárias e usar símbolos que identificam e divulgam essa participação é cada vez mais comum no mundo contemporâneo. Mas, o que representam esses símbolos quando utilizados sem que a participação nas campanhas seja a razão do uso. Esse fenômeno existe numa escala bem visível, tal como o retratado na reportagem presente no link http://veja.abril.com.br/060405/p_079.html , mas se manifesta de várias outras formas. Identificar as diversas formas de proliferação de uso de símbolos, nas quais os símbolos são mais importantes do que o que representavam originalmente, e buscar o que eles de fato estão representando será alvo aqui de algumas reflexões, algumas em formato de prática pedagógica em sala de aula.

O (A) professor (a) para início das atividades pode inquirir seus alunos sobre o uso de bottons ou outros símbolos que eventualmente eles utilizam, como por exemplo, camisas de agremiações esportivas, ou de partidos políticos, movimentos sociais e até mesmos símbolos religiosos. Inclusive as tatuagens podem ser objeto dessa pesquisa. Uma lista dos símbolos e de seus significados (os declarados pelos usuários) pode ser providenciada na lousa. E quando o usuário não declarar nenhum significado, deve ser perguntado a ele porque usa o símbolo.
Essa lista inicial pode servir como material interessante para visualizar-se quanto os significados e as razões do uso podem ser mais diversos e difusos do que imaginamos a primeira vista. Essa constatação, caso haja, deve ser bem notada para que em seguida os estudantes leiam a matéria no link indicado.

O que pode estar por trás do desejo de usar símbolos que originalmente foram criados para identificar os participantes e apoiadores de campanhas, de causas, de coletividades, sem que essa identificação exista? Não será mais do participar de qualquer coisa que está em pauta o desejo, em si, de se identificar e ser identificado? Alguns questionamentos e reflexões podem ser feitos visando explorar essa hipótese?
Um fenômeno de muita visibilidade em nosso meio e que pode servir para traçar um paralelo com o tema da reportagem são as torcidas uniformizadas de equipes de futebol. A princípio, elas existem, para uniformizadas (a camisa é o símbolo) prestigiarem seus clubes nos dias de competição. Mas, não é segredo para ninguém que o uso desse símbolo ultrapassa essas funções originais.
Não é fato que vem se desenvolvendo uma paixão superior do membro da torcida pelo seu agrupamento se comparada à paixão que ele possui pelo próprio clube e, mesmo, pelo esporte em si? Não é fato também que essas torcidas vem se transformando em agrupamentos sociais/comunitários que extrapolam suas atividades originais, ingressando em atividades de carnaval, por exemplo? Esses grupos não organizam pessoas que neles encontram um tipo de sociabilidade, uma coesão e identificação a uma coletividade, que de outra forma elas não possuíam?
Não temos também notícias sobre as rivalidades (por vezes desdobrando-se em confrontos físicos) entre esses grupos, cuja razão está descolada da rivalidade esportiva e se associa muito mais a representações de fidelidade com o próprio grupo, tais como a valentia, a coragem, o sacrifício etc? Não é um típico caso no qual a representação (a torcida uniformizada de futebol) se desvinculou, de algum modo, do representado (o time do futebol) e passou a ser principalmente um grupo de identificação social, tal como, possivelmente, está acontecendo com os adolescentes que compram pulseiras para se identificar e serem identificados, utilizando a causa como pretexto (ou até desconhecendo-na), embora isso se dê de forma mais difusa, não tão clara?
Não é provável que isso também esteja acontecendo de outras formas? Os diversos agrupamentos religiosos que proliferam em grande proporção nas grandes metrópoles brasileiras não estariam também respondendo, nalguma medida, a essa necessidade de pertencimento, de identificação social de indivíduos que vivem em situações de desagregação do tecido social? O cardápio de opções aos jovens, nesse caso, é múltiplo e variado e atende as diversas faixas de renda e também as diversas posições sociais em que se encontram esses jovens.
Uma boa expressão que resvala nesse fenômeno talvez seja a de “rebelde sem causa”. Essa nos dá oportunidade de explorar algo muito afirmado contemporaneamente: diferentemente, por exemplo da geração de 1968, os jovens e adolescentes atuais formam grupos de identificação desfibrados, quer dizer: não são ligados à causas, são desideologizados, despolitizados etc. São coesionados por modas, por bens de consumo, controlados pelo mercado que “manipularia” em seu benefício a necessidade dos jovens pertencerem a algo, se rebelar, se identificar.
Dessa posição, um pouco comum, pode se propor uma discussão em dois tempos: 1. De fato o jovem atual, apesar dessa necessidade social de pertencimento, é desligado de causas, e a única causa que defende é a sua mesmo?; 2. Por que no numa sociedade como a moderna esses símbolos de pertencimento (associados à moda, à causas, à necessidade de sociabilidade etc.) proliferam na proporção que notamos? Haveria uma insuficiência social nas relações cotidianas que facilitaria o surgimento de agrupamentos (mais ou menos difusos) comunitários, relativamente, apartados do todo social?

2 comentários:

Hermerson Alvarenga disse...

Interessante debater uma questão como essa em sala, pois leva aos alunos a pensarem nas suas re(ações) em relação ao que se prega, ao que se reza, ao quanto o sistema os alienam. Interessante colocá-los para refletir, como as pessoas ganham formas simbólicas, e fazer uma analogia aos movimentos de algumas décadas atrás que tinham de algum modo um cunho ideológico, e os movimentos atuais, que são em prol do que prega o consumismo.

Anônimo disse...

muito bom seu blog parabéns