sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

As ambições do "planeta China"

Jaime Oliva

A China sempre esteve no imaginário do ocidente, antes pela sua condição exótica, por suas diferenças, pelo inusitado. Agora, esse imaginário continua a ser alimentado, mas com uma abordagem muito distinta. A China está se aproximando de nosso mundo, em boa medida com os mesmos procedimentos, incorporando-se ao mundo global, e surfando um imenso crescimento econômico, que em vista da escala de sua população e de seus potenciais, continuará a ocorrer.
Será ela a maior potência mundial? Mas, se assim for, exercerá a mesma ampla influência no mundo que exerce os EUA? Bem, em alguma medida, parte do ocorrerá no mundo, nesse quadro da ascensão chinesa, não trará tantas novidades, pois a ascensão chinesa se dá em grande medida por sua adesão a modelos ocidentais. Na verdade, o que pode vir acontecer será um paradoxo. Um extraordinário impulso ocidentalizante no mundo, mas agora com um protagonista oriental. Aliás, não faltam paradoxos e situações inusitadas no caso chinês, e são eles que serão explorados nas sugestões de discussão a seguir.

Um primeiro aspecto importantíssimo a se notar sobre a grande transformação chinesa refere-se ao rompimento do seu isolamento geográfico, ou dito de melhor maneira: da ampliação de sua abertura para o mundo. No período em que a confrontação capitalismo e socialismo (cenário da Guerra Fria) possuía uma carga ideológica explosiva, esse país de regime socialista um pouco fora do modelo (com uma base camponesa superior à industrial) mantinha-se relativamente fora do cenário econômico internacional. Seu funcionamento econômico, sua economia planejada visava a auto-subsistência até onde isso era possível. S
erá que o crescimento econômico assim obtido era compatível de ser comparado com os parâmetros de uma econômica capitalista aberta para o mercado internacional, para as necessidades de consumo do indivíduo moderno etc.? E agora com os novos vínculos estabelecidos, pode-se dizer que está havendo uma transformação estrutural, dada pelo rompimento do isolamento geográfico, logo por sua vinculação ao mercado internacional, às novas necessidades de produção a um novo espaço econômico, que caminha para ser mundial? Não se deve admitir, que mais que números a nova China ostenta novas relações com o mundo, aliás, as grandes responsáveis pelo vigor desses novos números?
Contudo, uma questão importante se coloca: os bens chineses de exportação, que são sua grande força, não poderiam ser desenvolvidos e produzidos em grande escala, antes de tudo ao seu imenso mercado interno potencial? Em termos quantitativos resta alguma dúvida que o mercado interno poderia ser o dínamo inicial de processo? Mas, porque não é assim e só lentamente o mercado interno vai se constituindo (classe média ainda muito irrisória)? Será que não seria preciso uma grande transformação social interna para que sua população viesse a ser mercado? Transformação que deveria ir até o plano político? E que transformações concretas está havendo nesse plano?
De um modo geral, pouco coisa. Logo, essa economia de mercado está sustentada inicialmente e principalmente numa realidade de mercado que é externa. Daí que a principal ocorrência da China moderna foi a incorporação desse externo à sua vida econômica.
As previsões econômicas assim como as políticas feitas por profissionais dessas áreas costumam ser facilmente desmentidas pelo futuro. Na verdade, essas previsões não têm pecado muito mais por prever a repetição do presente no futuro, logo por dizer em que não haverá futuro? O futuro não pode guardar realmente transformações? Por exemplo: o que se diz agora da China dizia-se do Japão. Havia até uma piada sobre um americano que dormiu durante vinte anos a partir do final da década de 90 e quando acordou lá por 2015 foi o centro de Nova York e perguntou quanto era o preço de um cachorro-quente e o vendedor disse: 1 yen.
Tal seria o avanço japonês sobre o mundo, nessa era da globalização. Mas, não foi assim. Mesmo o Japão ainda possuindo uma economia sólida e de alta tecnologia (diferentemente da China) ela apresenta limitações. E entre essas, a principal é sua excessiva dependência do mercado externo, do espaço econômico que vai além de suas fronteiras. Será que o caso da China será o mesmo? Esse país não tem um espaço enorme para dentro para crescer? Mas que transformações serão necessárias para que isso ocorra?
É possível esse país se transformar numa moderna sociedade de consumo (mesmo que em moldes próprios) com o tipo de relação política existente? Como liberar numa sociedade a criatividade existente, que depende de livre iniciativa, de liberdade de expressão e pensamento numa sociedade controlada da forma tão brutal com técnicas de terrorismo totalitário (vejam com atenção de novo, o caráter aleatório, surpreendente da “justiça” dos dirigentes. Isso não mantêm as pessoas em constante situação de medo e insegurança? Eis uma característica do terror).
Sem a figura do individuo e dos direitos humanos poderá o bem-estar, que se associa em boa medida no acesso a bens de todos os tipos (o que é algo além do consumo banal, do consumismo), vingar num país como esse? O consumo, logo as dimensões do mercado interno, não ficará restrito a grupos privilegiados e ligados ao poder (e seus acólitos, seguidores acríticos)? Isso será suficiente para dar uma garantia interna ao crescimento econômico chinês? Ou todos as fichas continuarão investidas no espaço econômico externo? Isso não representará mais adiante crises inevitáveis nesse caminho, que acabarão derrubando os números da economia? Podemos afirmar que esse risco não existe? Afinal o mercado externo é tão estável assim?
Vale a pena por fim tratar de um outro aspecto grave da questão dos direitos humanos, que como vimos não é apenas uma questão humanitária, pois ela terá certamente repercussões na questão econômico mais ampla. Por que as nações ocidentais (em especial os EUA) são mais tolerantes com a China e muito menos com outros países que apresentam problemas com os direitos humanos? A velha resposta dos interesses econômicos que vêm a frente serve aqui, mas precisa ser qualificada.
No cálculo americano geopolítico (a política internacional que tem como base final a força militar) a China certamente representa menos perigo como parceiro econômico e político. No cálculo econômico mais ainda. O que representa Cuba nesses termos para os EUA? Não é exatamente o contrário? Sendo assim, não se sentem livres (assim como outras nações européias e ocidentais, Brasil incluso), mais à vontade, para debater as questões dos direitos humanos?
Isso não é uma desmoralização para a humanidade, saber que nosso estágio civilizatório ainda é inteiramente dependente de interesses geopolíticos (o domínio militar, como meio de manutenção de hegemonia, é um horizonte projetado pelos “futuristas” para o futuro) e da lógica econômica? Por outro lado: não é uma cegueira não notar que o próprio horizonte econômico e estabilidade geopolítica estará ameaçada num futuro breve (ou mesmo agora) se outros valores não passarem a contar na vida das nações? Que não haverá chances de caminhar-se para qualquer coisa que se aproxime de uma sociedade (um conserto) mundial nessas condições?

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