sábado, 28 de novembro de 2009

AS RELAÇÕES DA QUESTÃO AMBIENTAL COM O MUNDO DA EDUCAÇÃO E COM A GEOGRAFIA

Jaime Oliva
(Transcrição de discussão apresentada na sede da SOS Mata Atlântica em 1996)

Além de meu interesse pela questão ambiental como um cidadão, minha área de formação (a Geografia) possui uma proximidade natural com a questão ambiental, e com aspectos que considero problemáticos - e tem sido por essa via que tenho realizado algumas reflexões;
A questão ambiental (ou melhor – a militância ambientalista) gerou uma prática – a Educação ambiental – que se pretende um campo específico de conhecimento e que teria uma entrada peculiar e revolucionária no mundo da educação formal, e por conta de minhas atividades profissionais acabei por ter contato também com essa dimensão da militância ambientalista num trabalho relacionado ao universo escolar; e daí também surgiram mais algumas reflexões;
De fato as relações da questão ambiental com o mundo da educação formal e com o mundo da ciência – e no caso específico da Geografia – são complexas e problemáticas, e sofrem perturbações que empobrecem o potencial positivo que essas relações trariam;
Uma reflexão de caráter amplo: o universo da educação é espaço oficial de um saber alimentado pelas ciências – a geografia é também uma disciplina cada vez mais científica e alimenta, numa medida surpreendente, a geografia escolar. E certos aspectos do pensamento ambientalista, pela sua natureza crítica em relação ao mundo moderno, acaba se conflitando com um dos filhos diletos da modernidade – o pensamento científico e seu fruto mais profícuo que é a tecnologia. Afinal, é inegável que o que se aponta como grandes desastres ambientais em geral estão ligados ao uso de tecnologias humanas alimentadas pelas ciências modernas. Eis aqui uma tensão problemática que merece discussão para eliminar certas perturbações desnecessárias.
Para o bem ou para o mal, a ciência tem sido protagonista do mundo moderno. As grandes transformações sociais e as significativas modificações físicas do planeta tiveram na ciência sua força motriz. E não parece restar dúvida que no futuro esse tipo de conhecimento continuará a ser fundamental na construção de nossos destinos. A fundação das ciências, a organização de universidades, de centros de pesquisas – públicos e mais recentemente – particulares (sob o comando de grandes empresas), assim como a massificação do ensino representam os aspectos principais da institucionalização do conhecimento no mundo – em particular do conhecimento científico.
Nesse quadro institucional temos portanto três dimensões: 1. a prática direta da ciência como produção de novo conhecimento; 2. o campo, onde predomina a reprodução desse conhecimento que é o ensino; 3. o uso direto da ciência na vida econômica com sua incorporação em praticamente todos os bens do cotidiano. É por intermédio dessas três dimensões que os conhecimentos de tipo científicos são irrigados para toda vida social e não há praticamente nada de nossas relações sociais que não esteja mediada por algo de “caráter científico”.
Entrando em nosso assunto: o próprio movimento ambientalista igualmente não pode se manter à margem do mundo da ciência pois se estruturou e organizou várias de suas ações com base em conhecimentos científicos. Não haveria sequer a questão ambiental se não estivéssemos avisados pela ciência dos riscos que certos fenômenos impõem ao planeta. Não somos capazes sem o auxílio das ciências concluir coisas quanto à escala planetária: o que é o buraco na camada de ozônio, o efeito estufa - aquecimento global, ameaça à biodiversidade se não fenômenos apenas apreensíveis (e em certa medida construídos) pela linguagem científica.
O movimento ambientalista é um híbrido que se alimenta de ciência, mas produz uma crítica as vezes radical contra a ciência e a tecnologia modernas (vejam o caso dos transgênicos), no entanto adquire muito prestígio e como qualquer movimento articulado produz suas próprias elaborações que por sua vez também influenciam o mundo das ciências, e principalmente o mundo da educação;
Vale perguntar: de que modo as elaborações próprias, as reelaborações científicas e, as diversas interpretações sobre a questão ambiental das várias correntes do ambientalismo influenciam o conhecimento institucionalizado?
Vamos ver isso em dois planos: 1. na Geografia e no ensino formal (em especial no ensino fundamental). Volto a insistir que acho pertinente porque interpreto que essas influências da questão ambiental nesses dois âmbitos não tem sido inteiramente positivas. Mas antes quero deixar claro que não creio que seja saudável que os conhecimentos institucionalizados fechem-se burocraticamente ao mundo externo. Isso seria mortal – e essa é uma das muitas críticas, em geral com muita razão que as ciências e o ensino sofrem.
Agora algumas palavras sobre o pensamento ambientalista que se fortalece da percepção recente que o planeta estaria em risco – visto pela ótica do movimento ambientalista – alimentada pela ciência, coincide de certo modo com a decadência - das grandes utopias que encantaram muitos seres humanos – de construção de um mundo melhor – em especial do socialismo ou mesmo do progresso tecnológico que traria bem estar a todos. Afinal o socialismo a partir dos anos 1960 não conseguia esconder parte de seus horrores – inclusive na questão ambiental; o capitalismo, por sua vez, não logrou, a não ser localizadamente, fornecer o bem estar apregoado, antes o contrário.
De certo modo, agora, mas não automaticamente, parte da energia utópica em torno das grandes causas se organizaram em torno da questão ambiental. Agora não se trata mais de salvar o homem e sim salvar o planeta da ação destrutiva do homem. Essa energia utópica por vezes expressa-se como militância. Eis um aspecto importante: a questão ambiental enseja um movimento social e formas de elaboração, de entendimento do mundo – formas militantes...
Isso quer dizer que o ambientalismo transformou-se num movimento social difuso e organizado, e aos poucos foi ganhando corações e mentes em vários espectros da sociedade num nível governamental – global (Estocolmo 1972, Rio 1992) e num nível não governamental – mas que nem sempre se diferencia do outro. Assim o ambientalismo de certa maneira ocupou o nicho das lutas políticas e conseguiu até impregnar as estruturais estatais.

Uma outra característica do ambientalismo: considerando a diversidade de correntes internas existentes – passou a projetar para a sociedade um conjunto extraordinário de slogans, elaborações de tipo conceitual, definições, que também foram oficializadas. As três mais marcantes: a própria concepção de meio ambiente (e derivados tais como impacto ambiental, degradação ambiental...), a sustentabilidade, a biodiversidade (ganhou novos ares). Logo trata-se de uma nova cultura que criou seus próprios termos e conceitos.

Agora por fim alguns comentários sobre a Geografia: recentemente – não por todos é claro – tem absorvido na íntegra as elaborações ambientalistas e as tem replicado em suas pesquisas, em artigos e livros didáticos tais como elas são no interior do movimento ambientalista. Para muitos a Geografia finalmente encontrou sua identidade, pois é a questão ambiental que sintetiza as relações homem-natureza, que seria o objeto da geografia – a Geografia praticamente deve se reduzir a temática ambiental. Claro que os assuntos de ambas as áreas – Geografia e Ambientalismo – coincidem muitas vezes; mas por quê continuam sendo duas coisas distintas? Por que são construções diferentes, com funções diferentes na vida real;
Mas vamos aos problemas teóricos que essa adesão acrítica e reducionista ocasiona. São vários: 1. O uso das ideias fornecidas pelo ambientalismo - no ambientalismo não há instrumental teórico, afinal seus termos principais são definições disputadas e acertadas em congressos. Não são conceitos científicos. São temas organizadores das ações nessa área, de grupos organizados etc. O grande e o mais importante exemplo: a própria idéia de meio ambiente - tal como se define diz respeito ao espaço! Mas existem elaborações sobre espaço na Geografia que são muito superiores em termos teóricos e filosóficos.
A idéia de meio ambiente foi apropriada da Biologia – e nessa área meio ambiente é o meio natural externo as espécies – é a natureza, cuja unidade – se a abordagem for sistêmica será um ecossistema. O que aconteceu com o ambientalismo é que se ampliou essa idéia para todo o planeta, inclusive para os ambientes construídos pelo ser humano – o problema é que passou a interpretar os ambientes humanos como se eles fossem ecossistemas (se isso é justo ou não – é uma outra discussão). Mas aceitar essa idéia como equivalente com a idéia de espaço geográfico é inaceitável e é o que se faz.
Examinem a idéia de impacto ambiental e de degradação ambiental: ora, ninguém se livrou da idéia que meio ambiente é a natureza – se funciona como a natureza é natureza – logo, um membro mais excitado, "folgado" e desequilibrado (pois se reproduziu além do que deveria, por ser animal de grande porte) quando modifica o ambiente – está impactando sobre ele, degradando-o porque está desfigurando o grande ecossistema. Esse entendimento não é da perspectiva do ser humano, desconsidera-o na sua complexidade, logo é reducionista e não dá conta de uma infinidade enorme de questões que a Geografia deve e tem que tratar. No máximo poderia se dizer que é um aspecto possível do entendimento da dimensão espacial da vida total.
Os próprios temas da questão ambiental que ingressam na geografia e que aceitamos sem cuidados deviam ser melhor tratados pela geografia – que aliás seria uma contribuição que a disciplina poderia dar: um caso é a questão das escalas
Outro caso é a questão da relação homem-natureza, que a questão ambiental reforça no interior da geografia. Se o ser humano para sua existência usa a natureza – se relaciona com ela, por que entre as ciências só a geografia cuidaria disso. Esse não é assunto específico da geografia. E o objeto de estudo da Geografia pode ser apontado como algo que é o processo de desnaturalização – afinal usar e construir ambientes é remover a natureza, num certo sentido.
Já passou pela cabeça de vocês que não é possível falar-se em economia, ou história sem referir-se à relação homem-natureza, mas ninguém diz que essas disciplinas tem nas relações homem-natureza seu objeto. E mesmo isso tem que ser melhor qualificado: interação homem natureza? Mas há ação do homem sobre a natureza e quase não há ação da natureza sobre o homem (isso se desconsiderarmos o longo processo biológico).
O assunto não é simples, evidentemente, o que justifica não reduzir a geografia simplesmente (em especial a geografia física) em subsidiária da questão ambiental.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá, tudo bem??
Fiquei sabendo que o senhor foi demitido da Fieo, isso procede????

Pô sacanagem hein.
Tem que reverter isso aí.

Abraços.
Renato O. Bonetti
ex-aluno