terça-feira, 22 de setembro de 2009

Cidades, centros de transformação cultural: o caso de Tóquio

Jaime Oliva

- As cidades são configurações sociais modernizantes, por definição. Numa série de conferências sobre o plano e a lógica de sua obra Civilisation Matérielle, Économie et Capitalisme, Fernand Braudel assim se refere às cidades:
"Mas, perguntar-me-ão, porque consagrar os últimos dois capítulos à moeda e às cidades? [...] Quanto às cidades, existem desde a Pré-História. São estruturas multisseculares que fazem parte da vida comum. Mas são também multiplicadoras capazes não só de se adaptarem à mudança, como de contribuírem poderosamente para ela. Poderíamos dizer que as cidades e a moeda fabricaram a modernidade [...] Cidades e moedas constituem, simultaneamente, motores e indicadores; provocam e assinalam a mudança [...]" (BRAUDEL, 1986, p. 22).
- Tóquio é um caso que confirma essa condição das cidades. Como centro geométrico do arquipélago japonês a cidade está integralmente conectada ao conjunto do território, e todo território se dirige a Tóquio. E isso é uma obra que se inicia no século XVI. O país viverá em paralelo (e em conexão) com a Europa sua revolução industrial no final do século XIX e Tóquio será o centro desse processo.
- O extraordinário desenvolvimento da economia do país, em consonância com os elementos da modernidade ocidental, intriga e as análises sobre a modernização importada parecem no caso não fazer sentido. Afinal, o Japão não foi colonizado (como no caso da Índia, da China, da Indochina, da Indonésia etc) e se construiu como nação capitalista, a partir de suas próprias forças e em concorrência com o Ocidente (ao menos com parte, pois o Japão participa da 2ª guerra em aliança com algumas nações ocidentais).
- Em termos culturais o Japão tradicional sempre foi marcado por hierarquias e comportamento sociais rígidos (castas, disciplina guerreira, papéis definidos entre homens e mulheres de forma inflexível etc.), embora isso tenha mudado – e em especial a partir de Tóquio – alguns traços da cultura tradicional permaneceram e para muitos se harmonizaram com a modernização do país, em especial com o modelo econômico... capitalista, uma invenção do Ocidente.
- Seria o capitalismo uma exportação ao Japão ou ele seria endógeno? A tese da endogenia busca paralelos nas interpretações célebres sobre o capitalismo ocidental, como a de Max Weber que relaciona o capitalismo ao protestantismo (em especial, no caso dos EUA). Diante da notória sobriedade dos empresários de Tóquio, pouco afeitos a luxos e gastos exibicionistas, o que termina se traduzindo em taxas elevadas de poupança (20% nos anos 1920, por exemplo), alguns invocam a tradição japonesa, pois a sobriedade é uma virtude histórica altamente estimada dos palácios imperiais aos mais humildes casebres desde tempos remotos. Outros associam à difusão do confucionismo e outros ainda ao budismo.
Hipóteses duvidosas, afinal o berço do confucionismo, a China, vivia até pouco tempo imersa à taxas baixas de desenvolvimento econômico, o que resultava numa condição social, que não podia ser comparada à do Japão. As hipóteses podem variar, mas será difícil negar o papel dinâmico (tanto no processo anterior de construção da riqueza do Japão, como na atualidade) de Tóquio, quando essa metrópole se apresenta como uma cidade mundial, que articula o Japão ao mundo e o mundo ao Japão.
Antes, de buscar na tese da continuidade (ou na adaptação) cultural virtuosa com o capitalismo, não será o contrário que uma cidade pode oferecer? Afinal Tóquio desde o século XVI polariza as relações do arquipélago, e agora do mundo (as cidades são plataformas para as relações na escala mundial).
O que significa essa polarização? Cidade é concentração de diferenças: é pólo receptor de múltiplas informações, de pessoas diversas (o que traz várias técnicas, posturas culturais múltiplas, formas de criação e de pensamento distintos) e ambiente de trocas. Logo, é lugar de mudança cultural e não de cultivo, de reiteração cultural. Tóquio exerce papel de forma magnífica há muito tempo, e rapidamente também se abriu ao Ocidente (abertura conflituosa, que resultou em belicismo – o Japão concorrente e tradicional falou por intermédio de Tóquio).
Após a derrota japonesa na 2ª guerra o Japão não se ocidentaliza simplesmente, mas realiza, com Tóquio à frente, a expansão escalar do seu potencial econômico e as inevitáveis trocas com mundo contemporâneo o que inclui o ocidente, obviamente. Recebe e emite influência, algo que já estava na própria lógica da cidade, logo na lógica do próprio Japão, que originalmente havia dotado sua cidade principal desse potencial.

Nenhum comentário: