terça-feira, 23 de junho de 2009

Comparações arriscadas: o caso de São Paulo e Nova York

Jaime Oliva

A Revista Veja trouxe recentemente em suas páginas amarelas uma entrevista com o ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani. Ele se celebrizou perante a opinião pública e ficou muito conhecido inclusive no Brasil por duas razões: 1. A implementação de uma política de segurança na cidade de Nova York que ficou conhecida como tolerância zero que teria reduzido expressivamente a criminalidade naquela área urbana e que foi muito divulgada no Brasil porque vários candidatos às nossas eleições locais diziam que introduziriam em algumas cidades brasileiras uma política semelhante; 2. O prefeito também ficou bastante exposto por ocasião do ataque às torres do World Trade Center. Coube a ele organizar os trabalhos de socorre diante da tragédia.
Como na entrevista o ex-prefeito se manifesta sobre a pertinência de uma eventual replicação da política da tolerância zero em São Paulo, vale nessa atividade abordar esse tema por meio de comparações e considerações em busca de um aprofundamento da questão. Deixamos aqui uma provocação: uma criminalidade crescente assola vários centros urbanos do mundo. Em algumas situações a gravidade é incrível, e o Brasil possui, infelizmente alguns exemplos importantes. A situação vem se agravando, mais eis que surge em Nova York a solução óbvia: tudo passa pela eficiência da ação policial organizada sobre dois pontos:
1. Ter controle geográfico diário sobre as ocorrências criminosas (quantos crimes e onde), para que o policiamento aja com maior produtividade;
2. Não tolerar as pequenas transgressões, porque a teia criminosa é uma só no final das contas. É composta de crimes e criminosos menores que deságuam em grandes organizações.
Mas, não se sabia disso? O ex-prefeito descobriu a pólvora? Por que isso não se generaliza no mundo, ou ao menos nos EUA, se os resultados são tão vigorosos e rápidos? Em duas gestões de Rudolph Giuliani Nova York deixou de ser a mais violenta cidade norte-americana para ser a mais segura. É um milagre e como todo milagre vale discutir, para no mínimo aplacar a perplexidade. Uma situação assim é de grande relevância para as atividades de reflexão no ambiente escolar, logo trata-se de oportunidade a não ser desperdiçada.
Comparando São Paulo e Nova York: o ex-prefeito aponta os pontos em comum dessas duas grandes metrópoles (grandes dimensões, bolsões de pobreza, crime organizado, etc) ao se referir positivamente sobre necessidade de uma política de tolerância zero na metrópole brasileira. Mas e os pontos que não comuns? Vale buscá-los por uma questão de necessária aproximação da realidade. E aqui valem pequenas pesquisas:
1. Será que os bolsões de pobreza de São Paulo e Nova York têm a mesma escala? Será que o que se considera pobreza em Nova York se equivale ao que temos em São Paulo? E os contrastes sociais são de mesma monta no que se refere à desigualdade da distribuição da renda? Qualquer enquete mostrará as imensas diferenças das cidades nesse item. Nossa pobreza e as diferenças sociais são quantitativa e qualitativamente bem maiores, e isso é óbvio, ou não estamos falando de Nova York o mais poderoso núcleo urbano do mundo;
2. Será que os índices de criminalidade de Nova York na época retratada se assemelhavam aos índices comuns de São Paulo, Rio de janeiro, Recife etc.? Se de fato Nova York era a cidade americana com maiores índices de criminalidade dos EUA, no Brasil ela seria um oásis de segurança. Há uma desproporção enorme nesse caso. Uma política de tolerância zero por aqui enfrentaria uma realidade radicalmente distinta;
3. E quanto às estruturas urbanas (incluindo aqui a própria capacidade policial)? Novas desproporções serão encontradas. Aliás, reconhecendo o aumento da segurança em Nova York muitos analistas chamam atenção para o papel que remodelações e novos usos nos espaços públicos trouxeram, em função de iniciativas governamentais e da própria sociedade civil. Algo assim, em São Paulo, onde se inutiliza espaços públicos todos os dias, não parece factível nesse momento. De todo modo esse comentário serve para alertar sobre a necessidade de se comparar com cuidado, pois nem tudo que foi eficiente numa realidade automaticamente o será em outra muito diferente.

As políticas de segurança e a Tolerância zero: qualquer pessoa em sã consciência apóia políticas de segurança eficientes e ninguém pode ser contra o uso de tecnologias avançadas nessas políticas. Mas, como tudo em nosso mundo, mais uma vez não estamos diante de algo simples. Vocês sabem qual o grande suporte tecnológico da tolerância zero? É algo que em geografia recebe vários nomes: geoprocessamento; cartografia automática; geomática; informações georeferenciadas etc. Combinam-se imagens de satélite, equipamentos de GPS, localização precisa das ocorrências criminosas digitalizadas e imediatamente mapeadas. Isto é a dinâmica criminal é visualizada espacialmente a todo momento e com isto certas lógicas podem ser apreendidas, visto o que se conhece das realidades espaciais mais suscetíveis.
Por exemplo: com esse mapeamento se percebe a lógica e a áreas de atuação de grupos criminosos organizados; antecipam-se assim suas ações criando constrangimento para as operações criminosas. Duas produções do cinema americano tratam dessas possibilidades: uma série de televisão no presente (Numbers) mostra o desvendamento de crime e também a prevenção com o uso da matemática acoplado ao geoprocessamento; outra produção para as grandes telas é a ficção científica Minory Report que mostra a tecnologia misturada com uma vidente prendendo pessoas que ainda vão cometer crimes, mas não cometeram ainda.
Aliás, uma das críticas ao tolerância zero é uma certa síndrome Minory Report, prendendo (ou revistando, dando duras, segundo nossa linguagem) pessoas para averiguação que segundo critérios policiais não muito claros, potencialmente podem vir a cometer crimes. Isso especialmente em Los Angeles (sim, porque políticas desse tipo também são implementadas em várias cidades americanas, e também em algumas inglesas – com diferenças – como no caso de Londres). Considerando as políticas semelhantes já implementadas em outras cidades não iremos encontrar um sucesso tão acachapante como o que está incorporado na imagem de Rudolph Giuliani.
Talvez, porque somente a eficiência dessa política não baste. Uma questão para debater: existiria risco de uma euforia excessiva com a eficácia de uma ação policial amparada por novos recursos tecnológicos terminar invadindo campos que não deveria invadir, de criar vitimar pessoas tidas preconceituosamente como potenciais criminosas?

A eficácia das políticas de segurança e a estrutura urbana: para encerrar vale expor um debate importante marcado por duas posições mais ou menos diferentes sobre o futuro das cidades e a questão da segurança:
1. A primeira posição, defendida de várias formas desde as mais bárbaras até as mais civilizadas, aposta que a questão de mais segurança nas cidades passa prioritariamente pelas políticas de segurança (que inclui mudanças das leis criminais), em especial pela eficácia da ação policial, como parece ser o caso de Rudolph Giuliani. No Brasil há muitíssimas vozes que assim se manifestam no debate público;
2. Uma segunda posição (com muitas variações internas) não atribui às políticas de segurança e à ação policial todo esse poder, e acrescenta várias outras necessidades para se chegar a patamares melhores de segurança na cidade (mais justiça social, melhor distribuição de capital econômico e de “capital cultural”, novas condições urbanas para as cidades, urbanidade, espaços públicos, mistura social etc.).
O debate esquenta na medida em que parece aos defensores da primeira posição que os defensores da segunda não ligam para a ação policial, e terminam em última instância defendendo “direitos dos bandidos” (quem já não ouviu afirmações do gênero?); por outro lado, os da segunda posição alertam aos primeiros o risco da crença excessiva na eficácia policial como um caminho perigoso para violação de direitos, na medida em que apregoam leis mais rigorosas, maiores poderes aos policiais, às tecnologias... e que sempre que não estiver funcionando vai-se propor mais endurecimento... alega-se também que essa crença excessiva na ação policial, mascara a insensibilidade com outras questões que estariam influenciando a questão da segurança... O que você acha? Eis um debate extremamente relevante em que todos devem participar, também indispensável para quem está estudando...

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