Jaime Oliva
Na entrevista das Páginas Amarelas de VEJA, a venezuelana Carlota Pérez, autora de Revoluções Tecnológicas e Capital Financeiro, mostra-se otimista com relação ao futuro. Segundo ela, estamos por ingressar numa nova “era de ouro” de crescimento econômico e prosperidade social. Isso acontecerá tão logo seja superada a crise atual, cujas características repetem algumas das anteriores. Depois das crises, o mundo da economia de mercado se ajusta, em geral incorporando novos avanços tecnológicos. Foi assim na Revolução Industrial, e será assim no futuro breve, quando serão combinadas a correção dos erros atuais com as tecnologias de informação.
Discuta com seus alunos essa concepção. Afinal, ninguém imagina que as tecnologias de informação não terão um papel fundamental no futuro - a questão é saber qual. E uma pitada de otimismo vai bem com uma análise rigorosa das tendências econômicas e tecnológicas – desde que se mantenham os pés no chão.
Atividades1ª aula – Apresente algumas ideias para estimular uma discussão sobre as tecnologias de informação e comunicação (TICs) e os espaços mundiais. Conte que, num passado não tão distante a maioria das pessoas (inclusive na Europa) nascia, vivia e morria estabelecendo contatos e relações num mundo que não ultrapassava 20 quilômetros de raio. Com a formação dos Estados nacionais, para parte importante das populações o mundo aumentou. Isso graças ao desenvolvimento de meios de transportes que fizeram das distâncias geográficas algo mais administrável. Assim, os mercados cresceram, os negócios passaram a ter horizontes mais largos, a vida social incorporou novas necessidades e se enriqueceu.
Com as TICs, estamos assistindo a um alargamento ainda maior dos nossos quadros geográficos de vida. O mundo está crescendo para cada indivíduo e para os grupos sociais. Os mercados se ampliam, os negócios atingem a escala mundial, as sociedades se transformam e o volume de necessidades que aparecem é indescritível.
Mas é isso e pronto? Informe que Milton Santos, importante geógrafo brasileiro, escreveu sobre o “admirável mundo novo” baseado nas TICs. Ele caracterizou o próprio espaço como um “meio técnico-científico”. Vale refletir sobre essa expressão. Milton Santos também disse que as TICs “tornam o espaço mais fluido”. A idéia de fluidez, de líquido, é interessante. Aparentemente, nos espaços das sociedades contemporâneas, as mercadorias, as pessoas, as informações, as comunicações circulam mais e percorrem maiores distâncias que no passado. Isso resultaria da maior presença de tecnologias no espaço – desde infraestruturas de transportes até os mais avançados meios e tecnologias de transmissão de informação. Os espaços tornaram-se meios que incorporam ciência e tecnologia (espaços inteligentes, no dizer de Milton Santos).
Isso significa que as tecnologias estão ajudando a criar um mundo muito mais amplo de interrelações. Seria bom comparar o conceito de espaços inteligentes com as redes de estradas, aeroportos e estações de rádio dos anos 1920, mencionadas por Carlota Pérez, na entrevista da Veja.
Chame a atenção para o fato de que um espaço mais fluido significa maiores facilidades para as relações de todos os tipos, inclusive as não-econômicas. Significa relações entre grupos que ultrapassam as fronteiras nacionais e energia para a formação de um espaço mundial que poderia criar interesses comuns para além do nacional. É esse horizonte que é enxergado pelos economistas antes de tudo, porque as trocas econômicas parecem ser o que circula mais facilmente nesse mundo. A nova “era de ouro” encontra aí seu terreno: um espaço mundial, um mercado na escala global e múltiplas possibilidades de crescimento desse mercado.
Por que esse otimismo? Será porque muitos dos recém-incorporados (ou incluídos) são noviços em termos de consumo e estão dispostos a consumir tudo o que existe e o que mais for inventado? Coloque em discussão o quanto as tecnologias de informação contribuem para a criação de um novo mundo e para a multiplicação dos mercados, para as mercadorias mais antigas e especialmente para os produtos TICs (computadores, celulares e tudo o que se inventará nesse campo – o maior fetiche do consumo contemporâneo é estar integrado a redes sustentadas nos TICs).
2ª aula – O futuro é uma história que se repete? Se for, não há surpresa. Se for história nova, haverá surpresas. Nesse ponto, proponha um debate sobre as surpresas históricas: o desenvolvimento dos TICs constrói mercados e necessidades e multiplica negócios econômicos, mas também destrói. Por exemplo, os TICs estão modificando (em alguns casos destruindo) uma das indústrias mais lucrativas do mundo contemporâneo, que vende informação jornalística e cultural (e entretenimento). Cinema, indústria fonográfica, mercado editorial, jornais e revistas não conseguirão mais vender seus produtos da forma como o faziam.
Serão os piratas do novo milênio, que comercializam imitações ou cópias não autorizadas de produtos alheios, o grande perigo? Não, a própria pirataria está sendo destruída pelo mesmo “inimigo” dos negócios legais. É que os TICs ampliaram as possibilidades de relações entre as pessoas do mundo inteiro, via internet. Há como impedir que as pessoas interajam e transacionem bens pela própria internet? Mas que bens? Todos os bens audiovisuais podem circular digitalizados. Posso emprestar (ou dar) uma música digitalizada que comprei ou que me deram para as pessoas que eu quiser. Afinal, essa tecnologia é informação e permite multiplicação infinita. Como impedir compartilhamentos? Desse modo evaporou-se o mercado convencional de bens culturais e de entretenimento. Haverá outros efeitos do gênero? Diante da construção de um mundo mais fluido, como garantir um crescimento econômico convencional?
Crime sem castigo: a música e o filme que os adolescentes compartilham com os amigos pode não parecer, mas é pirataria. Mesmo sem má intenção, a prática está inviabilizando a indústria e deixando autores e artistas sem retorno financeiro pelo trabalho. Aparentemente, o futuro está cheio de surpresas para nos pregar, tal como a destruição pelas TICs justamente dos negócios que vendem informação e comunicação. Talvez, como sugere Carlota Pérez, ele nos reserve uma era de ouro, de trocas não financeiras, cujo resultado social e econômico não se pode prever, porque o mundo nunca foi assim. Mas é bom conservar os pés no chão. Afinal, utopia tem o sentido de uma sociedade ideal, mas em grego, a língua em que surgiu essa palavra, o termo significa "lugar nenhum".
Atividades sugeridas por Jaime Oliva, geógrafo, professor da UNIFIEO de Osasco (SP), autor de livros didáticos.
(*) Essa postagem é reprodução de material que saiu em http://veja.abril.com.br/saladeaula/250509/admiravel-mundo-novo.shtml
(*) Essa postagem é reprodução de material que saiu em http://veja.abril.com.br/saladeaula/250509/admiravel-mundo-novo.shtml
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