sábado, 4 de abril de 2009

A inclusão na política dos temas da cidadania

Jaime Oliva

O que caracteriza o mundo moderno é que sua essência é voltada à inovação. Essa é uma as leituras possíveis, embora alvo de contestação por parte daqueles que fazem leituras estruturalistas – imobilistas da história. O novo em nossa sociedade tem sentido positivo na economia, nas artes, nas ciências e tecnologia, nos comportamentos, etc.

Porém uma decorrência inevitável dessa dinâmica dirigida para o futuro é que os problemas e as anomalias que transgridem as regras sociais também, em muitos casos, são novos. Quer dizer: as estruturas políticas e administrativas têm que se renovar para enfrentar problemas para os quais elas não estavam preparadas para enfrentar. Esse, por exemplo, é o caso da disseminação incrível do consumo de drogas ilegais. Como enfrentar essa questão que ainda é tão mal compreendida, e que é nova, pois o consumo de drogas deixou de ser restrito a setores marginalizados e penetrou o interior da sociedade normal.

Esse também é o caso da generalização da violência no trânsito que é um problema novo, visto que a massificação efetiva do automóvel é coisa dos anos 1960 para cá (road rage é o termo que expressa a raiva que impera nas estradas – agressões físicas, ofensas e homicídios e até há nos EUA uma associação que estuda o fenômeno e realiza campanhas públicas).

Toda questão é: nossas estruturas políticas (incluindo os atores políticos) que mal conseguiam constituir-se em instrumentos para o verdadeiro exercício da cidadania tendo em vista os problemas tradicionais (moradia, transportes, saúde, etc.), estariam preparadas para enfrentar as novas questões? Como devem ser as políticas de combate aos males modernos? Como deve se comportar um político diante de novos instrumentos que ele pode fazer uso, como as várias mídias.

Uma ilustração interessante sobre o que foi levantado foi a passagem de Antanas Mockus na prefeitura de Bogotá na Colômbia. Mockus foi prefeito da capital da Colômbia por dois mandatos, o último terminado em 2003. Cidade de 7,5 milhões, ganhou fama mundial por índices elevados de criminalidade moderna, muito bem organizada e enraizada e que realiza por vezes o papel do Estado, meio inclusive para conseguir certa passividade social diante de sua ação.

As ações do prefeito colombiano, nada convencionais tendo em vista o quadro mumificado de nossa política, foram rapidamente designadas pela imprensa brasileira (também mumificada) com um dos rótulos mais utilizados pelos nossos jornalistas, que com esse rótulo rotulam-se a si mesmos como críticos: o prefeito de Bogotá seria um populista. O que é isso? Dá para definir o que é um populista de uma maneira produtiva? As próprias elaborações da ciência política são insatisfatórias a esse respeito, o que não impede o emprego inflacionário do rótulo. Vejam a dificuldade de se chegar a algo aplicável tendo em consideração as definições estabelecidas sobre o populismo: são fórmulas políticas cuja fonte principal de inspiração e a referência fundamental é o povo, em geral uma visão mítica de povo. E ao mesmo tempo o populismo refere-se a uma personalidade que também se faz mítica, um carismático, que se identifica com esse povo.

Esse teria sido o caso de Perón na Argentina, Getúlio Vargas no Brasil etc. Como se vê não é algo muito preciso, visto a política contemporânea. O que não se encaixaria nisso? No caso do prefeito de Bogotá ele foi chamado de populista por que algumas de suas ações o revelam como um homem como qualquer outro e não como um político circunspecto. Mas, havia uma maldade na designação condenando-o por sair do script que tanto criticamos, mas defendemos. Ele também foi chamado de esclarecido, pois os temas que suas ações suscitam são modernos e politicamente corretos (ser politicamente correto não seria uma atribuição de um populista moderno?): a emancipação feminina, restrição ao automóvel nas cidades, combate às drogas e a violência no trânsito por meios pedagógicos, etc.

A área de ação desse prefeito foi uma cidade com sérios problemas urbanos, com ritmo acelerado de deterioração muito associado à criminalidade e aos cartéis (grupos organizados) de tráfico de drogas. Além disso, como é comum nas grandes cidades da América Latina (e várias outras no mundo), em Bogotá ainda estão presentes situações de opressão às mulheres, visíveis nas relações de trabalho; problemas de violência no trânsito entre os motoristas; a violência contra os pedestres; a violência contra a criança; o consumo de drogas, etc.

Em nossa realidade o que de inovador é aplicado para combater esses problemas? Em Bogotá houve inovação bem-sucedida. Havíamos mencionado que no mundo moderno surgem problemas cuja solução exige que se invente novas políticas de combate, pois a aplicação das tradicionais não são eficazes. No entanto, há uma dificuldade nova a ser solucionada. Certos problemas só são solucionáveis, ou ao menos amenizáveis, se houver uma “parceria” entre a sociedade civil (a comunidade) e a dimensão política, em especial aquela que detém o poder. Mas, como fazer isso num quadro de descrédito total da política?

Há certos problemas que pesam na vida das sociedades, mas que não costumam ser muito discutidos no campo da política: a questão da mulher é um bom exemplo; a questão do uso do automóvel; das drogas etc. A política é monopolizada por questões relativas à vida econômica e material, e pelas disputas do poder, propriamente dito. Essa talvez seja uma das razões do afastamento da esfera política do cidadão. Nesse contexto não seria legítimo e até muito inteligente um prefeito como o de Bogotá usar de artifícios que coloquem na pauta das preocupações da esfera política e da sociedade como um todo, os temas que ele colocou? Se ele seguisse os trâmites políticos tradicionais teria recebido a atenção da mídia que ele recebeu, a ponto de virar notícia no Brasil e no mundo?

No mundo moderno, em que os fatos importantes só existem de fato se repercutirem pelas mídias, os homens públicos não estão fortemente estimulados a praticar ações espetaculares para exercer suas funções? Saber lidar e trabalhar com as novas mídias não é algo novo que se acrescenta à vida política tradicional?

Se tomarmos em consideração como a “cracolândia”, em São Paulo, vem sendo “saneada”, poderíamos nos entusiasmar com a eficácia da repressão policial pura e simples. Mas, o caso da “cracolândia” não expressa o predominante no consumo de drogas e toda a rede de tráfico criminosa que estrutura em torno dele. Na “cracolândia” formou-se um território, numa área degradada do centro, relacionado à droga. No entanto, as drogas estão disseminadas na sociedade sem essa territorialização visível. Aí nesse caso, como combatê-las? A repressão pura e simples se organizaria de que modo? E somente a repressão conseguiria dar fim (uma guerra contra as drogas) nesse problema, ou a sociedade e o poder político vão ter que desenvolver novas políticas?

Esse caso pode servir para se colocar uma questão de ordem geral: o remédio repressão policial e as punições severas são em geral prescritos para boa parte dos males de nossa sociedade. Aquilo que não é resolvido é atribuído a repressão frouxa ou mal feita. Mas é assim mesmo? Aumento da criminalidade e avanço do consumo de drogas pedem apenas repressão para desaparecer? Como abordar essa questão se sabemos que o consumo de drogas está muito perto de nós, no nosso grupo de amigos, as vezes nas nossas famílias etc. Que outros mecanismos podem ser usados para debelar-se ou ao menos amenizar esse problema? De que maneira os políticos e a mídia podem colaborar com isso?

Uma situação comum nas grandes cidades (e cidades médias também) é onipotência egoísta do proprietário de automóvel em relação aos outros automóveis, em relação ao transporte mais lento e principalmente em relação a pedestres e ciclistas. Somos uma sociedade que vem se motorizando em ritmo muito acelerado e que fez do sonho da propriedade de um automóvel particular uma de suas maiores fantasias. Isso combinado a ausência de base cultural que valorize a urbanidade resulta num nível elevado de violência no trânsito. Os motoristas são agressivos e arredios às regras, pois sentem que restrições ao uso do automóvel violentam sua liberdade. Que políticas de governo em parceria com a sociedade podem ser empreendidas para eliminar esse problema que é gravíssimo, no entanto escondido?
O prefeito de Bogotá já deu cartões vermelhos aos infratores no trânsito e com isso conseguiu abrir uma discussão que a sociedade não gosta de fazer. Ele também “proibiu” durante um dia inteiro o uso do automóvel para que as pessoas percebessem como seria a cidade sem eles. É midiático, é populista? No mínimo serviu para abrir a discussão, e de fato há índices comprovando a melhoria de certos problemas na gestão desse prefeito. Mas seu grande feito foi introduzir na arena das discussões políticas temas ausentes. Isso é fundamental numa política teleológica (auto-referente) como a nossa, cuja grande discussão é ela própria e não as questões ligadas à sociedade e ao país.

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