quinta-feira, 2 de abril de 2009

Por uma Amazônia menor

Jaime Oliva

Integração geográfica, integração social: a Amazônia, vasta extensão natural no norte da América do Sul e do Brasil, foi alvo na segunda metade do século XX de um sem número de programas visando sua integração geográfica ao restante do país. Isso resultaria na sua integração social, o que demonstra que o espaço é um dos ingredientes sociais. No entanto, apesar das ações ainda hoje há populações ribeirinhas “isoladas” do restante do país, o que se demonstra pela raridade com que esses grupos sociais têm acesso aos serviços do Estado. Na Amazônia certamente é o ribeirinho que deve ir atrás do Estado quando precisar, porque este por meio de suas instituições e serviços não tem estado presente com regularidade, não tem estendido seus braços na imensidão geográfica de rios e matas. Seguramente, Talvez o mesmo raciocínio não possa ser aplicado às questões militares relacionadas à fronteira, mas no que se refere ao cotidiano dos ribeirinhos o Estado é um estranho.

Medir a integração geográfica das localidades: aliás, esse exemplo extremo que o senso comum atribui à distância geográfica, pode ser referência para se pensar sobre todas as localidades. É sempre bom observar nas cidades, nos bairros, nas vilas urbanas e rurais se há a presença regular de instituições e serviços do Estado, tais como: escolas, postos de saúdes e hospitais, delegacia de polícia, fiscalização para evitar irregularidades nas construções e no uso do meio ambiente, órgãos de serviço da administração local, corpo de bombeiros, telefone público, correio, transporte coletivo etc. São ações estatais de integração social (logo geográfica - espacial) e não apenas serviços em si. Um termômetro para avaliar esse grau de integração é a verificação se o habitante de uma localidade que deve procurar, invariavelmente, o Estado, ou se os órgãos estatais tomam iniciativas nessa direção.

O Estado-nação moderno: o que conhecemos como mundo moderno se estrutura em torno do que chamamos países, que numa linguagem conceitual é o Estado-Nação moderno. Esses países, tal como os conhecemos atualmente, vem se consolidando ao longo de 2, 3 séculos, num processo que ainda não terminou (vide Estados-Nação que estão se desfazendo com suas partes se reorganizando em outros países – tal como no caso da ex-URSS, da ex-Iugoslávia). Um dos aspectos fundamentais para a consolidação dos Estados-Nação sempre foi o controle que eles conseguem ter sobre o território que comandam. E controle significa presença de algum tipo. Controle também significa ser bem aceito pela população, o que se consegue se a presença do Estado for benéfica. Em países de dimensões continentais a presença do Estado sempre é mais dificultada. As deficiências nesse aspecto são sempre muito perigosas, pois além de deixar as populações isoladas dos recursos do Estado, podem gerar situações de desagregação social e territorial.

As dificuldades do Estado-nação: tendo em conta a importância e a necessidade da presença positiva do Estado para consolidar a sociedade num Estado-Nação moderno, pode-se discutir quais as situações mais comuns que dificultem essa ação do Estado: um exemplo são as dificuldades políticas, quando certas regiões são dominadas por grupos políticos hostis que não aceitam se integrar e bloqueiam os acessos ao governo central. Esse é o caso atual da Colômbia e de vários países africanos, locais onde se vive situações de guerrilha. Mas e do ponto de vista econômico quais as dificuldades concretas que podem ocorrer que impeçam que os braços do estado se estendam pelo território? Que papel tem nesse caso a construção de infra-estruturas de transportes e comunicações? Por que sempre que se falou em integração da Amazônia ao território brasileiro criaram-se programas de construção de estradas, de usinas hidrelétricas etc.?

O caso da Amazônia: o Brasil é um país de extensão continental em que a maioria da população concentra-se na faixa litorânea, como todos sabemos. Por essa razão a região Amazônica quase sempre foi tratada como um “vazio demográfico” e sendo assim naturalmente afastada das obrigações do Estado de criar infra-estrutura para exercer ali políticas. Ocorre que a visão genérica quantitativa da população (médias demográficas) esconde que as zonas ribeirinhas na Amazônia têm contingentes expressivos de pessoas, que tradicionalmente foram deixados à própria sorte. O Estado sempre foi muito pouco presente! Afinal atender populações que mal pagam impostos, que vivem quase que em economias de subsistência e que vivem a distâncias tão grandes da capital teria um custo enorme que o Estado não podia arcar! São alegações legítimas e fatos insuperáveis? Haveria de fato prioridades maiores? Admitir sem reação esse tipo de dificuldade não é operar com uma lógica semelhante à do mercado? Ao Estado não devem se impor outras lógicas? Quais são de fato as grandes dificuldades de se integrar um país continental e que estratégias precisam ser desenvolvidas para conseguir tornar o Estado acessível a todos os habitantes do território?

Os isolamentos geográficos no Brasil: se compararmos a qualidade da assistência médica dada aos ribeirinhos do Brasil distante com os serviços de saúde oferecidos aos brasileiros pobres do Brasil próximo, das grandes metrópoles, do centro do poder político e econômico, vamos encontrar uma realidade muito distinta? Será que o argumento da dificuldade geográfica de acesso do Estado se sustenta após essa comparação? Não teríamos também que fazer “hospitais móveis” nas periferias miseráveis das grandes cidades?

A grandeza geográfica da Amazônia: voltando a Amazônia, o argumento da enormidade geográfica e da dificuldade de criar-se uma infra-estrutura que torne o estado mais presente para a população pode estar perdendo o sentido na medida em que novos meios de gerir relações à distância estão se desenvolvendo. Um exemplo amazônico é o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia). Trata-se de um programa que articula meios eletrônicos a satélites para monitorar o território da Amazônia em tempo integral e por toda a extensão do território. O Sivam faz parte de um programa maior que prevê o uso dessas novas tecnologias para fins sociais também e não só fins militares. Mas, quanto a esse último aspecto pouco ouvimos falar e parece não haver nada concreto nessa direção. Será que essas novas tecnologias podem atenuar os problemas de isolamento geográfico dessas populações? De que modo esses meios podem estar a serviço de ações no campo da saúde e da educação, por exemplo? Distâncias e extensões geográficas não são valores absolutos e sim relativos aos meios, aos espaços construídos. Políticas inteligentes que façam uso de novas tecnologias alteram a ordem geográfica, as dimensões espaciais, e essa é a grande lição das visões renovadas da Geografia. A Amazônia tem por enquanto o tamanho da omissão do Estado, mas poderá ser bem menor e integrada com políticas geográficas avançadas e democráticas.

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