segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

O AZAR DE LAS VEGAS

Jaime Oliva
O complexo tema do aumento da criminalidade urbana também está presente na cidade de Las Vegas nos EUA. Por ser uma cidade de muitas peculiaridades, talvez esse fato sirva um pouco para iluminar a questão da criminalidade. Las Vegas é uma cidade criada no meio do deserto, distante de qualquer atividade produtiva, a partir da instalação de hotéis que permitiam o jogo.
Algumas questões se colocam de imediato: por que um lugar tão afastado, isolado e despovoado? E por que deu certo? A prática do jogo sempre foi encarada como uma atividade suspeita, marginal e muito próxima da criminalidade. Também como algo que dilapida o trabalho, a produção, e que explora as fraquezas humanas. Independente de ser legal ou não, o jogo sempre despertou muita polêmica, e os locais onde há estabelecimentos para essa pratica sempre foram vistos como áreas igualmente suspeitas.
A idéia de instalar um centro de jogos numa área afastada e despovoada (logo longe de pressões morais, etc.) e que atrairia pessoas em trânsito (que não vão morar ali), parecia atraente para contornar as desconfianças. Quem joga nos cassinos de Las Vegas não é o morador comum, um viciado obsessivo, e sim um turista que vai ficar ali alguns dias e jogar. Encerrada a sua temporada ele vai embora e pronto. Quer dizer: com aquela localização, Las Vegas acabou funcionando como uma “ilha” que permite o jogo e outras transgressões num momento da vida das pessoas, e não no seu cotidiano. Por isso deu certo: um lugar para o jogo e não o jogo em todo lugar.


Foto: Luís Paulo Ferraz

Com esse conceito original funcionando em larga escala, com todo poderio dos EUA, logo a circulação de riqueza foi e é imensa na cidade. Não há referência ao jogo de azar no mundo, que não nos traga à cabeça Las Vegas. Quanto à questão da criminalidade atual, vale antes uma informação histórica: os jogos e os cassinos quando começam a sair da marginalidade trazem à cena legal seus donos anteriores. O jogo na ilegalidade era praticado por organizações igualmente ilegais, no caso americano a Máfia. Até os anos 1970, pode-se dizer que a Máfia (suas diferentes famílias) controlaram os cassinos de Las Vegas. Quer dizer, mantiveram na legalidade seus negócios, que serviam inclusive para “lavar” dinheiro obtido em outras atividades ilegais, tais como redes de prostituição e comércio de filmes pornográficos, comércio de bens ilegais e contrabandeados e inevitavelmente o tráfico de drogas.

Foto: Luís Paulo Ferraz


O excelente filme Cassino de Martin Scorsese com Robert de Niro relata exatamente essa questão: a dificuldade da Máfia se manter numa atividade legal sem que sua dimensão criminosa a deteriore. O que acaba não dando certo. A partir dos anos 70 os grandes cassinos e hotéis passam a ser controlados por grandes corporações empresarias, ligadas ao ramo hoteleiro. E com isso a criminalidade de Las Vegas fica controlada. É muito provável que criminalidade atual de Las Vegas não tenha relação direta com esse tipo de atividade (como já teve) e sim com outros problemas urbanos.
Apesar dessa probabilidade nunca pode se descartar a tensão que sempre existe entre o jogo e a ilegalidade, logo a criminalidade. Se jogar é transgredir os conceitos morais da sociedade, mesmo que essa aceite numa situação de turismo, eventual, é natural que em torno dessa atividade gravite uma série de outros estímulos para que o jogador amplie sua transgressão. Daí a presença provável de esquemas de acompanhantes prostitutas, de disponibilidade de drogas etc. numa cidade como essa. E é muito comum as pessoas avançarem outros sinais, afinal elas já estão mais ou menos fora da regra nessa situação. Acontece que isso pode estar ou não sob controle.

Foto: Luís Paulo Ferraz

Um outro filme bastante elucidativo dessa situação é Despedida em Las Vegas de Mike Figgis, com Nicolas Cage e Elisabeth Shue. O personagem de Cage encontra-se numa espiral destrutiva, alcoólatra e quer dar cabo de sua vida e escolhe a cidade de Las Vegas para isso. Ele está disposto a morrer transgredindo todas as regras. Associa-se a uma prostituta que por sua vez é espantada dos hotéis quando vai caça, por não pertencer a esquemas, etc. Essa é uma situação extrema, mas em alguma medida, esse componente de “momento de transgressão” está presente em Las Vegas.
Vimos que a questão do jogo traz por trás de si uma grande complexidade de questões. No entanto, existe jogo legalizado em muitos países e principalmente em “paraísos turísticos”. E onde o jogo não é legal, há sempre interesses lutando por sua legalização. O argumento é que numa sociedade moderna como a nossa, o lazer que o jogo proporciona é um serviço como tantos outros, e bem organizado pode atrair riqueza e turistas, gerar negócios e empregos, enfim trazer desenvolvimento para as áreas que tiverem estabelecimentos. Que peso deve ser dado ao argumento econômico? Ele por si basta? É justo que a sociedade além da questão econômica examine outras variáveis desse tema? Dá para abrir mão da riqueza econômica que o jogo traria em nome de princípios morais?
A discussão da legalização do jogo no Brasil é um tanto complicada. O jogo é relativamente proibido no país? As corridas de cavalos com aposta são liberadas. Os bingos proliferaram pelo país até serem fechados. Essa é face legal de uma atividade ilegal. Mas temos o jogo do bicho, pratica arraigada em muitas cidades brasileiras e praticada às claras. No carnaval carioca, sempre foi comum os bicheiros (muitos ligados às escolas de samba) conviverem em camarotes luxuosas com autoridades políticas e policiais. O que você dessa situação de não pode, mas pode? As relações que se estabelecem para garantir esse estranho equilíbrio não são fontes de corrupção evidente? Quais seriam os melhores caminhos a se percorrer nesse caso?

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