segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Globalização, educação e ambiente- uma discussão sobre a escala de abrangência

Jaime Oliva
O fenômeno da globalização será sempre mal compreendido se o reduzirmos apenas à sua dimensão econômica, fato esse muito comum. Por isso, talvez, se explique o fato da globalização ser tratada como algo que se opõe a outras dimensões da vida, tal como, por exemplo, a questão do meio ambiente. Colocado nesses termos isso não é correto: o agravamento que haveria da questão do meio ambiente não pode ser apontado como uma das consequências da globalização. Isso é uma ingenuidade, pois nos parece evidente que a própria organização em torno da questão ambiental é uma das dimensões constitutivas da globalização.
A organização em torno da defesa do meio ambiente, como algo que deve estar presente na agenda de todos os países e povos, não brotou em cada lugar para depois alcançar uma organização mundial. Ao contrário, é a partir da escala global que o tema da questão ambiental tem sido transportado à maioria das realidades sociais que se expressam em escala regional e escala local. Um exemplo notável é o documento Agenda 21[1] produzido na Rio/92. Trata-se de um documento compromissado por vários países que foi oferecido como proposta para governos de um modo geral, para todas as organizações sociais internacionais e nacionais, para entidades empresariais, agências de desenvolvimento e para sociedade civil como um todo.
Se é um programa de ação, proposto para todos os países (logo para todo o planeta, para o global, para o mundo) visando o chamado desenvolvimento sustentável ele é logicamente uma das forças da globalização. A justificativa parte do princípio que a natureza dos problemas ambientais ultrapassaria as fronteiras nacionais e precisa ser tratada em escala global. Logo, joga a favor da globalização.

Mas o que é a globalização? Antes de tudo é um alargamento do contexto geográfico de relações sociais de contingentes expressivos de sociedades organizadas até o limite do planeta. Se no passado nosso contexto geográfico de relações sociais mal penetrava o território de nosso próprio país, atualmente pode-se afirmar que em alguma medida estamos envolvidos diretamente em relações globais. Porém, se referir a esse alargamento de contexto apenas inicia a caracterização da globalização, pois ela pressupõe uma forma de organização específica que precisa ser entendida. Dito de outro modo: nesse momento não estamos presenciando uma dissolução dos estados nacionais em direção a uma sociedade global organizada sob outras bases. Ao contrário, apesar de sofrerem com esse alargamento de contexto, os estados nacionais de mantém sólidos e não há indícios que venham a desaparecer. Então em que bases sociais e territoriais se instala e se desenvolve a globalização? A resposta é complexa. Vamos desenvolvê-la a seguir.

O importante historiador Eric Hobsbawn nota que: “Não acho que seja possível identificar a globalização apenas com a criação da economia global, embora este seja seu ponto focal e sua característica mais óbvia. Precisamos olhar para além da economia. Antes de tudo, a globalização depende da eliminação de obstáculos técnicos, não de obstáculos econômicos. Ela resulta da abolição da distância e do tempo. Por exemplo, teria sido impossível considerar o mundo como uma unidade antes de ele ter sido circunavegado no início do século XVI. Do mesmo modo, creio que os revolucionários avanços tecnológicos nos transportes e nas comunicações desde o final da Segunda Guerra Mundial foram responsáveis pelas condições para que a economia alcançasse os níveis atuais de globalização.”[2]
Há um movimento mais amplo e abrangente do que a motivação econômica por parte das sociedades ocidentais (e quem sabe do ser humano como um todo), que pode explicar por que nos dirigimos a essa globalização que poderia até ser indicada como um movimento em direção a uma sociedade global. Esse movimento, que pode ser apreendido de várias formas, nos parece bem caracterizado a partir da idéia de modernidade. A modernidade é por excelência uma forma social que alimenta-se para existir da ampliação das relações humanas. Não por outra razão ela é por natureza urbana e reticular (criadora de redes de relação) e essa segunda característica (redes) é chave para a organização da esfera mundial, em que estão presentes, por exemplo, o movimento ambientalista organizado e as transnacionais: Vejamos mais alguns elementos da modernidade:

PRINCIPAIS MUDANÇAS NO PERÍODO DA MODERNIDADE
  • Surgimento do Estado centralizado com as seguintes características: a. domínio militar e jurídico sobre um território e integração dos povos dispersos nesse mesmo território; b. criação de infra-estrutura (transportes e comunicações) para tornar o território fluído; c. sistema tributário e administração profissional das finanças públicas; d. intervenção e regulação da economia, atuando, inclusive, fora de suas fronteiras; e. constituição de sistemas jurídicos livres das imposições religiosas; f. profissionalização das atividades de serviços públicos e de defesa do Estado: sistema escolar, saúde publica, sistema militar etc. g. poder político conduzido como princípios democráticos; representação política do indivíduo, independente de sua origem social.
  • Aparição das nações (inclusive da própria idéia de nação) que têm a função de conferir legitimidade às idéias de unidade - territorial, política e cultural - necessária para integração de novos Estados europeus surgidos no Renascimento e na expansão colonial. Surgem assim o francês, o alemão, o italiano, etc. e, logo após, na América: o americano, o brasileiro, o mexicano etc. E assim, em quase todo o planeta.
  • Mudança radical da economia que passa a ter regras sistemáticas de crescimento da produção e dos mercados. E, em conseqüência, de aumento da produtividade do trabalho. Para isso, a tecnologia vira insumo produtivo e a inovação tecnológica constante transforma-se no motor econômico da sociedade moderna.
  • Tecnicização do espaço geográfico em duas direções: a. como parte do sistema produtivo (por exemplo, transformando a natureza em recursos naturais); b. para a gestão da distância geográfica, buscando aumentar sua fluidez, com os avanços tecnológicos em transportes e comunicações. Isso significará o fim dos isolamentos geográficos, com o aumento da escala geográfica (alcance da ação humana) e na pratica “encolherá” o planeta.
  • O mercado como centro da vida material será cada vez mais realidade, com a eliminação das formas de auto-subsistência, conseqüência inevitável do fim dos isolamentos geográficos. A modernidade é, nesse sentido, a subordinação dos povos ao mercado, com o aumento da dependência do gigantesco aparato de produção e de bens em que se transformou o mercado.
  • A urbanização do modo de vida com a generalização das cidades e o aumento da sua influência sobre o restante do território. No mundo moderno busca-se eliminar a distância geográfica, promovendo a vida de multidões em co-presença. Isso é uma cidade e essa foi até aqui a principal forma espacial da modernidade, já que possibilita a multiplicação de interações sociais e a subordinação ao mercado.
  • Novas fontes de poder político deslocando às formas tradicionais, como monarquias e hierarquias religiosas, para o passado. O acúmulo sem precedentes da riqueza econômica faz da esfera econômica a principal fonte de poder político.
  • O surgimento do individualismo significa uma personagem fundamental do mundo moderno. O indivíduo. Direitos humanos e individuais, direitos de privacidade, que resultam em movimentos contra a discriminação racial, movimentos feministas, ambientalistas, contra a discriminação sexual etc. compõem o perfil do mundo moderno.
  • Internacionalização da vida moderna que com o aumento da escala de ação humana, passa a ser exportada dos países pioneiros para outros recantos do planeta. Prevalece a vertente econômica, mas todos os outros elementos da modernidade também se espraiam.
  • Globalização forma recente e desnacionalizada de avanço do mundo moderno, em especial, no plano econômico, que muitos consideram, nem ser mais modernidade e sim, pós-modernidade.

Em que outro contexto, a não ser no interior da modernidade com sua vocação global, poderíamos ver surgir o movimento ambientalista? Esse não se estrutura com base na constatação de que a vida planetária (a biosfera) está ameaçada? Como poderíamos saber que as intervenções humanas sobre a natureza tem essa repercussão planetária sem os recursos científicos e tecnológicos que a própria modernidade criou? Como convencer populações regionais que sua forma de uso da natureza implica em consequências planetárias se não tivéssemos meios de transporte e telecomunicações para levar a causa do ambientalismo a todos os pontos do planeta? Esses meios correspondem à modernidade propriamente, assim como o ambientalismo. Se o mundo moderno é o grande vilão em função do uso enorme que ele faz da natureza, só esse tipo de sociedade poderia gerar a possibilidade forças se organizarem em escala global, para se transformarem em atores sociais e políticos que podem de modo consciente e estratégico fabricar um novo destino para a humanidade e o planeta.

[1] A Agenda 21 é, portanto, no conjunto da produção oficial sobre a questão ambiental um guia para a ação e aí reside sua importância.
[2] Eric HOBSBAWM, O Novo século, p.71.

Nenhum comentário: