Jaime Oliva
Recentemente, a revista Veja publicou um texto sobre a política externa do Brasil (Uma política externa sem dentes - http://veja.abril.com.br/291008/p_122.shtml). Nele se reportava uma pesquisa realizada por um cientista político para o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). A pesquisa se baseou em entrevistas feitas com pessoas ligadas direta ou indiretamente à diplomacia e às relações internacionais. As questões versaram sobre as formas de integração do Brasil ao comércio internacional, e embora os resultados da pesquisa/entrevista pareçam refletir verdades tranqüilas, trata-se de uma sensação enganosa, pois esse campo é apenas mais uns dos quais se trava uma grande batalha de concepções entre visões sobre como atuar no processo econômico. A pesquisa se dirige (e seus resultados) contra a política do governo brasileiro atual que visa ampliar e estreitar relações econômicas sul ↔ sul (quer dizer, entre países emergentes) e diminuir a dependência com o norte desenvolvido. Como trabalhar uma questão dessas no ensino médio, por exemplo, uma questão envolta em polêmicas cujos lados mal se comunicam? E que lados são esses? Por outro lado, como andam as relações internacionais no campo do comércio no Brasil? Que papel nosso país está tendo na cena internacional? Nesse pequeno comentário vamos propor caminhos para abordagem dessas questões.
A controvérsia no ensino: um novo consenso vem se construindo entre muitos educadores. O ensino perde eficiência se ele for apenas enciclopédico. Ele precisa de aprofundamento nas questões. O aluno precisa se envolver no processo de análise. Tanto mais se desenvolvem as estruturas cognitivas quanto mais o ensino expõe os alunos à questões polêmicas. Não importa tanto o que o aluno concluirá na polêmica, mas o exercício é fundamental como meio inclusive de viver a vida como ela é: controversa. A matéria da Veja permite a produção de situações que contemplam todos esses requisitos pedagógicos (embora o texto da revista não esteja diretamente aberto às controvérsias) na análise sobre uma polêmica importante no destino de nosso país.
A controvérsia no ensino: um novo consenso vem se construindo entre muitos educadores. O ensino perde eficiência se ele for apenas enciclopédico. Ele precisa de aprofundamento nas questões. O aluno precisa se envolver no processo de análise. Tanto mais se desenvolvem as estruturas cognitivas quanto mais o ensino expõe os alunos à questões polêmicas. Não importa tanto o que o aluno concluirá na polêmica, mas o exercício é fundamental como meio inclusive de viver a vida como ela é: controversa. A matéria da Veja permite a produção de situações que contemplam todos esses requisitos pedagógicos (embora o texto da revista não esteja diretamente aberto às controvérsias) na análise sobre uma polêmica importante no destino de nosso país.
Quais os lados da questão: as pessoas entrevistadas pelo pesquisador indicam que o Brasil é um dos países mais fechados do mundo às relações econômicas internacionais. Indica também que até os anos 1990 esse fechamento era maior ainda. De fato depois dessa data a abertura do Brasil em relação ao mundo se ampliou de modo importante e aqui começa a polêmica. Nesse caso vamos especificar a polêmica no campo econômico. Para a visão mais liberal (o liberalismo econômico em termos bem gerais apregoa que a lógica de mercado deve fluir livremente, com o menos possível de intervenção dos Estados) essa abertura é insuficiente, embora o pouco que já houve tenha beneficiado muito o país, imagine se abrir mais ainda? Para a visão menos liberal (em termos gerais não admitem apenas a regulação do mercado e defendem escolhas e políticas a partir dos Estados) já houve abertura demais e os seus benefícios não foram tantos, aliás, muitos foram malefícios. Importa saber que o governo brasileiro contemporâneo na política externa investe em alguma política um pouco para além da lógica do mercado e nesse caso não pratica uma política exatamente liberal. E isso é condenado pelos liberais. Como refletir sobre a pertinência de ambas as posições? Dá para chegar a uma conclusão? Estamos aqui nesse caso diante de um dos muitos exemplos de opacidade da modernidade. O tema parece se revestir de alto teor técnico especializado, logo distante de qualquer inquirição e crítica do cidadão comum. Conta nas nossas vidas, mas não podemos acompanhar, não o entendemos. Logo as decisões a respeito encontram-se fora da esfera democrática e pertencem ao reduto decisório dos sábios. Uma pergunta ajuda nesse caso: dá para produzir pesquisas que desmintam a feita pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Há dados que confirmam os dois lados. Um exemplo de que é possível construir uma pesquisa dizendo que o Brasil não é tão fechado assim, e que nem toda abertura é benéfica vem da crise mundial que estamos vivendo no sistema de financiamento da economia mundial, uma crise no crédito.
A crise financeira mundial: a crise tem se epicentro no sistema de crédito das finanças norte-americanas, antes de tudo. Instituições ligadas às finanças (bancos, empresas de hipotecas, seguradoras, corretoras, fundos de investimentos) estão sob risco, mas também muitas empresas ligadas a produção estão sofrendo repercussões desse risco. Os EUA vivem a ameaça de uma recessão econômica (que pode arrastar o mundo inteiro, como já se faz perceber na “zona do euro”) e muitos têm dito, que nesse momento, ter uma pauta de relações comerciais diminuída com esse país (e isso aconteceu no governo atual do Brasil) é uma vantagem. Do mesmo modo estimular as relações sul ↔ sul também é favorável, aliás, muitos economistas importantes no mundo (inclusive último ganhador do prêmio Nobel, Paul Krugman) afirmam que um escape para a crise atual encontra-se nos países emergentes. País emergente o Brasil é e suas relações comerciais foram intensificadas com os outros emergentes (no Mercosul, com a China, a Índia etc). Como se vê, nesse momento, uma abertura total como propaga a pesquisa pode ser arriscada como mostra a crise. O que importa não é quem tem razão, mais os cuidados intelectuais que se deve tomar para ler o mundo e para isso é preciso reconhecer as razões das polêmicas. Isso que importa a um estudante.
Uma sugestão de análise: tentar desanuviar a opacidade da modernidade é um bom exercício no ambiente escolar, e também algo saudável no ambiente social. Um caminho possível é o de controle sobre alguns elementos mais resolvidos nessa questão, necessário para enfrentar a controvérsia. Eis alguns itens importantes nesse controle: 1. Informações qualificadas sobre o período em que o Brasil foi mais fechado, que contempla a chamada política de substituição das importações; 2. Informações sobre como as relações internacionais se desenvolveram no período do regime militar; 3. Sobre as questões dos protecionismos (a OMC – Organização Mundial do Comércio, é uma instituição multinacional que tem tido dificuldades em chegar a acordos comerciais de caráter internacional em razão das dificuldades de remover – ou ao menos deixar num nível mais civilizado os protecionismos, quer dizer: países que querem proteger seus mercados e querem que o mercado do outro esteja disponível). Aumentar a informação sobre esses aspectos vai ajudar a compreender com mais profundidade as posições em jogo sobre se o Brasil se integra, mais ou menos, na cena mundial econômica.
Um panorama das relações internacionais do Brasil: a visão que a pesquisa apresenta de um dos países mais fechados do mundo pode ser agora apreciada tendo como referência dois caminhos: 1. Como o Brasil tem se portado na cena econômica internacional, por exemplo, na OMC (na última Rodada de Doha)? O Brasil não atuou recentemente como uma liderança na formação do G 20 (grupos de 20 países emergentes) para juntos terem mais força nas questões relativas ao comércio mundial? Uma posição como essas se harmoniza com o que defendem os entrevistados na pesquisa, afinal eles são a base para a afirmação de que temos atualmente uma diplomacia que mostra os dentes? Outro caminho seria o de explorar alguns dados. É bem interessante examinar as tabelas a seguir tendo em mente a polêmica entre liberais e “não-liberais”. Vale observar:
Exportações brasileiras – 2006
País ou bloco %
União Européia 21,4
Estados Unidos 17,8
Mercosul 10,1
China 6,1
México 3,2
Japão 2,8
Outros 38,6
Fonte: Secex/MDIC
Algumas informações suplementares a essa tabela se fazem necessária. Ela se refere a apenas um braço das relações internacionais: a exportação. Isso não quer dizer que sejamos grandes importadores, logo ela não prova muito contra a idéia de fechamento. Mas ao mesmo tempo dá para acreditar que EUA e Europa comprariam nossos produtos sem algum tipo de contrapartida? Outro aspecto a ser notado é a proporção que exportamos ao Mercosul, que é grande e crescente, o que reflete em boa medida a política do governo atual. Na outra tabela também há elementos para reflexão:
Principais exportadores latino-americanos
País Bilhões dólares
México 267,5
Brasil 159,2
Venezuela 65,9
Argentina 54,6
Colômbia 28,3
Fonte: CIA World Factbook
O Brasil não possui uma economia maior que a do México? Certamente possui. Mas o que explica então, a grande diferença no volume de exportações? Um maior fechamento do Brasil? Não se pode deixar de considerar a condição fronteiriça do México com os EUA e a imensa produção feita por empresas americanas em território mexicano (não faltam estudos que denunciam boa parte das indústrias mexicanas como “maquiladoras”) e outras particularidades daquele país. Mas, isso não é suficiente para justificar o segundo lugar do Brasil nesse campo (as exportações). E aqui vale pena lembrar que ainda uma grande parte das exportações brasileiras (em especial para os EUA e a Europa) é de mercadorias de baixo valor agregado (são commodities), embora isso já tenha melhorado em relação ao passado. No item exportação os números podem estar revelando mais a fragilidade da economia, ou relações exteriores e diplomacia inadequadas? Será que apenas uma nova diplomacia sem dentes melhora o posicionamento do Brasil no quadro das relações internacionais e beneficia nosso país? Mesmo que haja mérito na opinião de maior necessidade de abertura, seus defensores não ganhariam mais credibilidade se olhassem e se empenhassem mais e também no desenvolvimento do nosso mercado interno, algo que beneficiaria de imediato um maior contingente de brasileiros e teria papel importante na reação à crise econômica mundial?
Exportações brasileiras – 2006
País ou bloco %
União Européia 21,4
Estados Unidos 17,8
Mercosul 10,1
China 6,1
México 3,2
Japão 2,8
Outros 38,6
Fonte: Secex/MDIC
Algumas informações suplementares a essa tabela se fazem necessária. Ela se refere a apenas um braço das relações internacionais: a exportação. Isso não quer dizer que sejamos grandes importadores, logo ela não prova muito contra a idéia de fechamento. Mas ao mesmo tempo dá para acreditar que EUA e Europa comprariam nossos produtos sem algum tipo de contrapartida? Outro aspecto a ser notado é a proporção que exportamos ao Mercosul, que é grande e crescente, o que reflete em boa medida a política do governo atual. Na outra tabela também há elementos para reflexão:
Principais exportadores latino-americanos
País Bilhões dólares
México 267,5
Brasil 159,2
Venezuela 65,9
Argentina 54,6
Colômbia 28,3
Fonte: CIA World Factbook
O Brasil não possui uma economia maior que a do México? Certamente possui. Mas o que explica então, a grande diferença no volume de exportações? Um maior fechamento do Brasil? Não se pode deixar de considerar a condição fronteiriça do México com os EUA e a imensa produção feita por empresas americanas em território mexicano (não faltam estudos que denunciam boa parte das indústrias mexicanas como “maquiladoras”) e outras particularidades daquele país. Mas, isso não é suficiente para justificar o segundo lugar do Brasil nesse campo (as exportações). E aqui vale pena lembrar que ainda uma grande parte das exportações brasileiras (em especial para os EUA e a Europa) é de mercadorias de baixo valor agregado (são commodities), embora isso já tenha melhorado em relação ao passado. No item exportação os números podem estar revelando mais a fragilidade da economia, ou relações exteriores e diplomacia inadequadas? Será que apenas uma nova diplomacia sem dentes melhora o posicionamento do Brasil no quadro das relações internacionais e beneficia nosso país? Mesmo que haja mérito na opinião de maior necessidade de abertura, seus defensores não ganhariam mais credibilidade se olhassem e se empenhassem mais e também no desenvolvimento do nosso mercado interno, algo que beneficiaria de imediato um maior contingente de brasileiros e teria papel importante na reação à crise econômica mundial?
Nenhum comentário:
Postar um comentário