sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Os viajantes e a Geografia

Jaime Oliva

Viajar foi, numa parte da história, o principal procedimento para a expansão do conhecimento sobre a superfície terrestre e sobre outros espaços geográficos. Quem empreendia essas viagens passava a controlar conhecimentos cujo uso servia tanto a interesses econômicos mais comuns quanto a projetos de conquista e colonização. As viagens representaram um aumento da escala geográfica das relações humanas, tendo a frente – no que se refere ao mundo ocidental – os povos europeus. O Brasil colônia ficou fechado para os viajantes estrangeiros até o final do século XVIII. Logo se tinha pouco conhecimento da extensão dessa colônia portuguesa, pois os próprios portugueses pouco se interessam em promover um conhecimento organizado sobre essa colônia. Talvez porque sendo os dominadores já estabelecidos não tinham a preocupação do registro, da documentação, do conhecimento como meios de sedimentação de seu domínio, diferentemente dos holandeses que no período de domínio do nordeste, promoveram muitas missões que contavam com grandes pintores e cientistas que deixaram uma importante iconografia do Brasil. Finalmente, quando o Brasil abriu-se para os estrangeiros, para cá se dirigiram várias missões estrangeiras – com paisagistas, cientistas, filósofos, naturalistas, geógrafos, cartógrafos, etc.
O artista viajante tem um papel desbravador e imaginativo. Mas também os cientistas são muito imaginativos. Essa imaginação não é um problema, mas sim um elemento radioso para as artes e para o conhecimento humano, pois se a imaginação produz deformações e enganos ela também abre perspectivas, que sem ela, não seriam vislumbradas. E afinal é isso que conta. Por isso, as viagens que traziam artistas e cientistas foram fundamentais para o conhecimento da superfície terrestre e para o conhecimento humano em geral. E principalmente para a ampliação da escala das relações humanas, como já foi dito. Dois casos excepcionais que ilustram muito bem o papel dos viajantes foram as viagens de Alexander Von Humboldt e de Charles Darwin.
Conforme o historiador Francisco Carlos Teixeira da silva no século XV, uma viagem de Paris à Roma poderia ser uma aventura para toda uma vida. As pessoas tinham suas atividades reduzidas a um raio de 5 a 12 km no entorno de sua habitação. Lançar-se em longas viagens, era para poucos. Nesse sentido, o mundo era pequeno. A Europa ia do Atlântico até Kiev... Ao sul o mundo era ‘fechado’, sendo Constantinopla o último porto. As viagens dos portugueses e dos espanhóis transformaram esse panorama. Depois da viagem de Fernão de Magalhães e Juan Sebastián El Cano (1519-1522) em torno do mundo, as distâncias tornaram-se imensas. O eixo macrodimensional para os portugueses era a rota Lisboa-Nagasaki ou Lisboa-Macau; para os espanhóis, Sevilha-Manila. Essas são distâncias que, até então, nunca haviam sido percorridas. Assim, o mundo nunca fora tão vasto como na segunda metade do século XVI. Entre 1415 e 1565, dois terços do mundo foram integrados aos circuitos europeus, com as linhas de comunicação atingindo a África, a América e o Extremo Oriente. Um segundo período de descobertas começou no século XVIII, motivado pela curiosidade científica e expectativa de vantagens comerciais. As viagens eram organizadas por governos e realizadas em navios de guerra comandados por oficiais da marinha, às vezes levando cientistas e pintores. As metas eram a exploração do Pacífico – em particular de um ponto, ao sul, onde existiria um grande continente, que se acreditava, com base em Ptolomeu, Ortelius e outros, estender-se do Trópico de Capricórnio até o Pacífico Sul – e a descoberta de um estreito entre o nordeste da Ásia e o noroeste da América que levasse ao Ártico e talvez de volta ao Atlântico – a antiga passagem do Noroeste.

Humboldt
Nos séculos XVII e XVIII a Europa era uma região que sofria transformações em sua estrutura social. São marcos históricos, por exemplo, a Revolução Inglesa e a Revolução Francesa. Nessa época, o que hoje é a Alemanha - e também a Áustria - era berço de grandes pensadores e pesquisadores. Esses estavam se empenhando em ampliar o conhecimento a respeito do mundo. Dentre esses pesquisadores destacava-se Alexander Von Humboldt (1769-1859) que se transformou num dos mais importantes viajantes/cientistas que veio a América. Ele seguiu numa viagem que durou 5 anos (1799 a 1804) e percorreu muitos países da América como Venezuela, Peru, Colômbia, (floresta equatorial) Equador, Cuba e México. Por onde passou procurou descrever a Geografia, os costumes dos habitantes e a história das regiões que atravessou. Recolheu muitas informações sobre as áreas percorridas: características geomorfológicas, climáticas, biogeográficas, geológicas etc. Retornando a Paris, levou 22 anos para realizar a organização e análise do material coletado. Ao todo, Humboldt percorreu mais de 9.500 km do continente americano e coletou por volta de 60.000 amostras para posterior catalogação de 6.280 novas espécies de plantas e animais. Esta árdua tarefa rendeu 30 volumes reunidos sob o título Viagem às Regiões Equinociais do Novo Continente.
Darwin
O inglês Charles Darwin tinha 22 anos quando zarpou em 1831 no navio Beagle, com a missão de desenhar reentrâncias mal conhecidas do litoral da costa Sul Americana. Nessa viagem ele teve a oportunidade de perceber as relações diferenciadas das espécies com cada ambiente, sejam as selvas brasileiras, sejam os pampas argentinos e ainda os Andes. Darwin ficou impressionado com as peculiaridades da distribuição geográfica das espécies (biogeografia). A situação mais famosa que ele descreveu foi o das ilhas Galápagos, que ficam cerca de 900 km da costa pacífico e que hoje pertencem ao Equador. As espécies nestas ilhas são endêmicas, porém, lembram espécies que vivem no continente sul americano. Enquanto Darwin coletava os tentilhões, não sabia se eram todos de uma só espécie, ou se eram espécies diferentes. Ao voltar à Inglaterra, em 1836, consultou ornitologistas que lhe disseram tratar-se de espécies separadas. A tentativa, então, era de descobrir por que os seres vivos se adaptavam ao ambiente. Em 1837, começou a pesquisar criações de animais e plantas e somado aos conhecimentos adquiridos na viagem construiu a grande narrativa teórica sobre a evolução das espécies.

Bibliografia
LEONARD, Irving A. Viajeros por la América Latina colonial. Traducción de Juan José Utrilla. México: Fondo de Cultura Económica, 1992.
MINGUET, C. Cartas americanas de Alejandro de Humboldt. 2 ed. Caracas: Ayacucho, 1989.
TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. OS 500 ANOS do Tratado de Tordesilhas. Ciência Hoje, jul. 1994.

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