quinta-feira, 12 de junho de 2008

A descoberta do tempo

Jaime Oliva
James Ussher um arcebispo irlandês que viveu entre 1581 e 1656, ao manifestar-se sobre qual seria a idade da Terra, calculou o ano da criação em 4004 a.C. às 14h30, numa tarde de domingo do dia 23 de outubro. Assim a Terra teria cerca de 6.000 anos e a humanidade que desde o início já estava no planeta corresponderia a 116 gerações. Nessa época a Bíblia era interpretada ao pé da letra, e não havia quem a contestasse.
Até o início do século XIX essa visão de uma Terra tão jovem perdurou. Entendia-se que o planeta não mudava e era habitado por seres vivos imutáveis. E se assim era, o futuro repetiria essa mesma realidade. Porém, nessa altura esse entendimento já era objeto de dúvida.
Georges-Louis Leclerc, o conde de Buffon que viveu 1707-1788, foi um grande sábio naturalista francês que em sua época realizou pesquisas revolucionárias no campo da biologia (seres vivos) e da geologia e para que suas idéias fizessem sentido a idade da Terra deveria ter ao menos 35 mil anos. Um fato importante ocorreu nesse momento, que interessa muito à história do conhecimento: o comitê de teologia da Universidade de Paris obrigou Buffon a desmentir-se: “Abandono tudo o que em meu livro diz respeito à formação da Terra e tudo que possa ser contrário à narração de Moisés.”
No que se baseava Buffon para defender, enquanto pode, que a história dos seres vivos e do próprio planeta não condiziam com a narrativa bíblica defendida pela Igreja Católica? Já se sabia de alguns achados intrigantes na superfície terrestre. Por exemplo: em 560 Em 560 a.C. o filósofo grego Xenófanes de Cólofon encontrou conchas marinhas incrustadas em estratos rochosos no alto de montanhas da Grécia. Como esse material de origem marinha teria chegado ali? Já no tempo de Buffon muitos fósseis haviam sido encontrados, inclusive alguns ossos humanos que eram diferentes dos humanos da época, assim como objetos feitos pelos homens e que os povos atuais não conheciam. Buffon concluíra que a Terra tida como estável fora diferente e que o próprio ser humano não tinha sido o mesmo no passado. Logo, havia mudança, e mudança precisa de tempo, ou de mais de 6.000 anos.
As comprovações sobre a condição mutante da Terra e dos seres vivos virão com o tempo, justamente por intermédio de uma nova concepção revolucionária a respeito do tempo desenvolvida por uma ciência dependente do tempo da natureza que é a geologia.
O escocês James Hutton (1726-1797), depois de muito pesquisar apresentou a primeira análise bem documentada sobre a idade da Terra à Royal Society of Edinburgh em 1785. Seu trabalho chamava-se “Teoria da Terra”. O que Hutton apresentava em seu trabalho alterava radicalmente o que até então se pensava. Era uma descrição de uma dinâmica até então negada:
1. Solos são formados pelo desgaste lento, muito lento das rochas;
2. As águas marítimas por meio das marés e de suas ondas em choque com as costas litorâneas desgastam rochas, e desse desgaste surgem as areias, os sedimentos;
3. No fundo do mar, nas terras baixas acumulam-se camadas e camadas de sedimentos;
4. O desgaste das rochas e a acumulação das camadas de sedimentos podiam ser vistos por toda a parte.
E se isso era verdade quanto tempo seria necessário para se formar uma praia, com sedimentos produzidos pelo desgaste das rochas? Muito, mas muito tempo. Nada disso caberia em 6.000 anos e nem nos 30.000 anos calculados por Buffon. Assim, Hutton descobriu que a Terra era bem mais velha (ele avaliou que a Terra tinha pelo menos centenas de milhares de anos), ele tinha descoberto um tempo longo, ele tinha descoberto o tempo. “O presente é a chave para o passado”, afirmou Hutton. Os fenômenos do passado podem ser plenamente explicados pelos processos atuais mais o tempo. Ainda na década de 1820, não se havia aproveitado as novas possibilidades de entendimento da Terra vislumbradas na nova janela aberta por Hutton. E a idéia de uma Terra muito antiga, era ainda muito mal aceita. As coisas mudam definitivamente quando Charles Lyell (1797-1875) geólogo inglês conseguiu examinar as rochas de forma muito mais detalhada do que foi feito antes. Adotou idéias de Hutton, reuniu muitos exemplos em viagens pelo mundo e produziu provas esmagadoras sobre a antiguidade do mundo. As pessoas passaram assim a aceitar a idéia de um processo geológico lento e uniforme. Hutton e depois Lyell, os descobridores de uma Terra mutável foram tachados como hereges por um tempo, mas com o passar do tempo, foram reconhecidos na medida justa do valor de seus descobrimentos.

Um comentário:

Paulo T. Matiuzzi disse...
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