sexta-feira, 27 de junho de 2008

VIVER EM CONDOMÍNIO

Jaime Oliva


A expressão Viver em Condomínio relata um fenômeno residencial – uma verdadeira reestruturação urbana - cada vez mais comum para os integrantes da classe média, que é a mudança dos grandes centros urbanos para loteamentos residenciais nas áreas periféricas desses mesmos centros. Na verdade, trata-se de algo que lembra um impressionante processo de suburbanização ocorrido nos EUA, desde o período da Primeira Guerra Mundial. Há um rápido crescimento do número de moradores desses empreendimentos: há cinco anos, eram menos de 500 mil; hoje, são um milhão, e esse número continuará crescendo. Por se tratar de uma tendência que está mudando o perfil urbano de várias cidades brasileiras, vale a pena aprofundar os conhecimentos sobre o assunto.
O que foi a suburbanização americana? O que justifica o movimento em direção à sua constituição? Atualmente o modelo suburbano norte-americano é marcado pelas edge cities, que reúne residências e serviços, como uma “minicidade”. É interessante, para o aprofundamento da discussão, conhecer um pouco dessa história. A suburbanização nos Estados Unidos atingiu níveis tão grandiosos que hoje, mais da metade da população norte-americana vive nesses subúrbios. Mas os subúrbios se desenvolveram muito, a partir da segunda metade do século XIX, como aldeias onde os membros da classe rica construíam suas casas de campo. Já então, essa parte da população urbana americana manifestava uma nostalgia do campo e um desgaste com relação à vida nas cidades. Subúrbios estariam mais próximos da natureza e, portanto eram lugares melhores para se viver; ao mesmo tempo, ficavam suficientemente próximos das cidades, com acessibilidade garantida, para oferecerem todas as vantagens da vida urbana.
Foi depois da Segunda Guerra que os subúrbios tornaram-se acessíveis também para as classes médias e as médias baixas. Com investimentos governamentais, ex-combatentes contraíram empréstimos, verbas foram liberadas para construção de infra-estruturas. Também foi após a Segunda Guerra que a idéia de edge cities começou a se concretizar. Até então, os moradores dos subúrbios tinham que viajar todos os dias para a cidade, a trabalho. Depois da Segunda Guerra, a diversificação de indústrias e serviços tornou a oferta de empregos nos subúrbios maior que a das cidades. O shopping center é uma invenção para os subúrbios: empreendimentos que concentram em si uma grande variedade de lojas e serviços foram concebidos para atenuar a distância com os centros das cidades.
No Brasil, esse processo de suburbanização está acontecendo há pouco tempo. Ao contrário do modelo norte-americano, fortemente financiado pelo governo federal americano (todas as estatísticas mostram que as autoridades americanas gastaram mais com infra-estrutura suburbana nos últimos 60 anos do que com as cidades propriamente ditas), a suburbanização brasileira está baseada numa infra-estrutura em construção, que está se desenvolvendo a partir de parcerias, não muitos claras ainda, entre estado e capitais privados. Exemplo disso: as estradas, principais atrativos de investimentos e infra-estrutura, estão tendo suas condições mudadas após as concessões para a iniciativa privada.
Uma forma de conhecer um pouco da realidade dos subúrbios de classe média norte-americanos é através do cinema e da televisão. Muitos filmes e seriados americanos foram ambientados em subúrbios. Edward Mãos de Tesoura, do cineasta Tim Burton, ou Beleza Americana de Sam Mendes assim como as séries Anos Incríveis e Dawson’s Creek.
Os primeiros subúrbios norte-americanos foram construídos às margens de ferrovias, já que o transporte ferroviário era o mais confiável. Após a popularização do automóvel (nos Estados Unidos, ainda na década de 1910), esse quadro modificou-se. No Brasil os condomínios fechados suburbanos estabeleceram-se às margens de grandes rodovias e só começaram a ser ocupados de maneira consistente na medida em que essas rodovias foram duplicadas ou melhoradas. O que é muito recente. O fenômeno da suburbanização gera boas discussões a começar pelo que podemos entender como cidade e vida urbana. Eis algumas discussões interessantes que podem ser feitas:

A idéia de qualidade de vida: Toda a argumentação positiva à respeito desse tipo de moradia, vem sempre muito marcada pela idéia de “qualidade de vida’”. Esta qualidade de vida seria função: do contato mais próximo com a natureza; da segurança; da disponibilidade de área de lazer etc. A questão é a seguinte: essa visão de qualidade de vida é a única possível? Não se pode pensar em qualidade de vida dentro das cidades? Por exemplo: contar com uma boa rede de transportes públicos, proximidade dos serviços essenciais, contato maior e mais diversificado com pessoas de todas as “tribos”, com informações culturais e de outros tipos sempre muito diversificados em centros não é, também, ter qualidade de vida? Os jovens moradores de condomínios fechados se ressentem de não ter próximas de suas residências opções de lazer do tipo barzinhos, cinemas, casas noturnas, teatros etc. Nesse caso, a qualidade de vida prometida pelos condomínios fechados pode ser relativizada?

Transportes e subúrbios isolados: Quem vai morar longe da cidade em áreas exclusivamente residenciais, tem que ter em mente que precisará de, no mínimo, dois automóveis para realizar atividades triviais como ir à padaria, levar os filhos à escola ou ir ao trabalho. Será possível numa área desse tipo garantir transporte público regular em áreas pouco povoadas. Uma estrutura de transportes coletivos seria produtiva numa situação assim?

O eterno retorno: Parece lógico que as pessoas que trocaram as cidades pelos condomínios suburbanos venham constantemente à mesma cidade que abandonaram, a trabalho ou em busca das comodidades que as cidades oferecem, como comércio, cultura e serviços. Como eles vêm para a cidade? Vem de ônibus ou de carro? Se vêm de carro não acabam contribuindo para aumentar ainda mais o congestionamento, a poluição atmosférica e sonora das cidades que eles abandonaram porque não tinha boa “qualidade de vida”?


Segregação e homogeneidade: Os subúrbios residenciais que foram construídos nos EUA na década de 1920 eram localidades de casas cercadas por jardins bem tratados e habitadas por brancos protestantes anglo-saxões da classe média alta. Embora o perfil dos condomínios suburbanos tenha se diversificado nos Estados Unidos após a Segunda Guerra, as imagens cinematográficas de imensas casas, cercadas pelos belos jardins, sem muros e com segurança, continuam presentes no imaginário brasileiro. É comum apontar-se como vantagem de moradia nesse tipo de localidade aquela que se refere ao fato de os vizinhos possuírem condições financeiras similares e, geralmente, o mesmo grau de escolaridade, sendo, portanto, bairros homogêneos. Vale a pena pensar sobre isso, confrontando essa vantagem com boa parte do que até hoje se escreveu sobre cidade: há uma visão de cidade, a que se atribui de ser a mais democrática e mais produtiva, que diz que cidade é por definição um conglomerado concentrado de gente e de objetos o mais diversificado possível, logo uma imensa aglomeração heterogênea de recursos e obras humanas. Num ambiente assim as relações sociais são intensas e há o que trocar. Agora confrontando esta interpretação de cidade com a idéia de bairros homogêneos (só um tipo de pessoa, só um tipo de função, isolado, próximo à natureza, etc.) com a visão de cidade diversificada fica evidente que estamos diante de duas visões distintas de cidade.

Desvantagens e preconceitos: Uma desvantagem apontada sobre os condomínios refere-se ao fato da possibilidade dos condomínios de subúrbios terem nos arredores bairros muito pobres e, em alguns casos, favelas. Por que uma desvantagem, se o condomínio é fechado? A própria idéia do condomínio já não era de partida não se relacionar com o seu entorno? O condomínio não é um mundo aparte do seu entorno? Não é indiferente o fato de ser favela ou um bairro de qualquer outro tipo? Se a desvantagem estiver associada à questão da segurança, não estamos nesse caso diante de uma situação de preconceito? Favelados são naturalmente perigosos, criminosos, etc? A propósito da questão da segurança, que se apresentaria como a principal razão pela opção por condomínios fechados é possível refletir que embora sejam capazes de controlar alguns dos níveis de violência das grandes cidades, as guaritas, rondas e seguranças armados dos condomínios criaram um novo tipo de criminosos: as quadrilhas especializadas em invadir condomínios. Será que a segregação espacial vai construir uma situação mais segura? Há estudos mostrando que nenhuma cidade do mundo é tão murada quanto São Paulo, por exemplo, e também que, historicamente, quanto mais a cidade se murava, mais foi aumentando os índices de violência. Vale lembrar que nos EUA, não foi a questão da segurança a principal fomentadora do subúrbio e sim a separação social promovida pelas classes médias brancas. No nosso caso, de subúrbio tipo condomínio fechado, não haveria também esse tipo de motivação?

Bibliografia

J. John PALEN. O Mundo Urbano. Rio de Janeiro. Forense-Universitária. 1975. 529 p.
Este autor dedica um capítulo aos subúrbios norte-americanos. Em linguagem clara, o autor contextualiza a opção norte-americana pelos subúrbios.
Howard P. CHUDACOFF. A Evolução da Sociedade Urbana. Rio de Janeiro. Zahar Editores.
Esse autor também se dedica ao tema, só que a partir do momento de massificação do fenômeno, ou seja, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial.

3 comentários:

Unknown disse...

Excelente texto.Vou aproveitar a bibliografia sugerida para minha pesquisa.Abraço.
Mauricio Nunes

Unknown disse...

Parabéns pela reflexão. É preciso que tentemos construir uma nova realidade, ao invés de permanecer subordinado a ela mediante o que nos implica o capital, o preconceito e a separação entre os homens

Anônimo disse...

SIM OS NEGROS QUEIMARAM UM MONTE DE CIDADE NOS EUA E DEIXOU DETROITS CHEIAS DE CRIME E DEPOIS OS BRANCOS NÃO SAIRAM DALI POR CAUSA DA CRIMINALIDADE NEGRA?NEM CA?AH VÃO SE FERRAR..