sábado, 10 de maio de 2008

Cidades médias gaúchas: avanços que intrigam os que não querem ver

Jaime Oliva
Já estamos acostumados com uma expressão no cotidiano que é usada por certos segmentos sociais quando se quer realçar a qualidade de algo, de um lugar, por exemplo, (um estabelecimento comercial, uma instituição cultural, um hospital, um bairro, uma cidade etc.). Trata-se de um lugar de “primeiro mundo”. Na verdade, está se querendo dizer que não parece brasileiro, afinal a qualidade não pertence ao nosso modo de ser, mas sim ao dos outros. É assim, que muitos espantados com uma situação incomum nas áreas urbanas do país se referem a um conjunto de cidades médias que se encontra no Rio Grande do Sul (Canoas, Caxias, Farroupilha, Carlos Barbosa, Canelas, Gramado, Bento Gonçalves etc.). Um conjunto de cidades do primeiro mundo. Não é o Brasil. Os números mostram isso sob vários aspectos. Como explicar que num país tão defeituoso e por vezes infeliz esse vale de felicidade? (ver matéria em http://veja.abril.com.br/101007/p_110.shtml) Será que se deve ao tamanho das cidades, ao nível de educação, à composição étnica da população e sua gênese empreendedora, ao dinamismo da economia, ao respeito aos princípios do capitalismo? Ou se deve a uma combinação virtuosa de tudo isso? Trata-se de uma questão complexa.

Uma primeira tendência ao se analisar um quadro como esse das cidades gaúchas é o de atribuir seu sucesso social à economia. Mas, outros elementos importantes e que costumam passar despercebidos podem ser a chave da compreensão do sucesso. E esses elementos não derivam automaticamente do dinamismo econômico. Quais são os elementos que ultrapassam a economia, para o horror daqueles que interpretam tudo de forma economicista? Por exemplo: quando as cidades ainda eram “pobres” os grupos sociais que as compõem já levavam muito a sério a questão da educação. Quer dizer: nesse caso não era a economia que propiciava uma boa educação. Talvez, e essa é uma hipótese, a educação esteja na base do desenvolvimento econômico posterior. Um bom argumento que mostra que não faz sentido afirmar que as cidades gaúchas progridem pelo embalo da economia é uma breve comparação com cidades interioranas de São Paulo. Em termos econômicos muitas são tão fortes ou até mais fortes que as gaúchas. São cidades industriais (no ramo de calçados destaca-se Franca e Birigui, aliás, mais poderosas que as produtoras de calçados do sul), e outras relacionadas ao agrobusinnes, que possuem PIBs internos expressivos. Por exemplo, o PIB de Ribeirão Preto rivaliza com vantagem com a maioria dos PIBs dos estados brasileiros. E o que podemos dizer da qualidade de vida nessas cidades paulistas? Como elas se saem na comparação com as cidades gaúchas? Se saem mal!!! Sob condições econômicas prodigiosas de seus negócios, encontra-se uma sociedade dividida e desigual, níveis de pobreza, criminalidade, sistema educacional problemático, serviços de saúde precários etc. Mas, serão então cidades maiores, que por isso são afetadas por males urbanos inevitáveis relativos ao crescimento? Não necessariamente: a exceção de Ribeirão Preto, São José do Rio Preto e Campinas, as poderosas cidades do interior paulista têm um porte semelhante às do Rio Grande do Sul. Outra pergunta pode surgir: mas são cidades homogêneas do ponto vista étnico como as do sul? Não são tanto. Mas isso é um diferencial? É duvidoso. As cidades do interior de São Paulo receberam nos últimos anos levas de imigrantes de outras partes do Brasil. Mas, vieram à toa, para criar problemas? Ou foram eles um elemento dinâmico dessas economias vibrantes do interior de São Paulo? É bom se pensar nisso antes que os imigrantes “paguem o pato” pelo fato das cidades paulistas não serem como as gaúchas. Embora não pareça nada convincente culpar os imigrantes, neles principalmente se expressa o diferencial entre as cidades paulistas e gaúchas. Afinal são os imigrantes parte do problema social das cidades paulistas. Baixa renda, desassistidos, muitos desempregados sazonalmente, vulneráveis à criminalidade etc. É produtivo se manter nessa comparação. Como duas realidades econômicas semelhantes (a de São Paulo mais dinâmica ainda) produzem realidades sociais tão distintas?

Essa discussão pode continuar investigando a questão numa outra direção. À moda do final do século XIX e início do século XX, muitos encontram nas cidades gaúchas o espírito capitalista pulsando sem restrições, alimentado pela ética protestante. É bom destacar que essa interpretação tem um referencial clássico na célebre obra do grande sociólogo alemão Max Weber: A ética protestante e o espírito capitalista. Mas esse empreendedorismo não estaria igualmente presente nas cidades paulistas? Fala-se em respeito aos contratos e à propriedade privada nas cidades do sul. Mas isso é muito diferente nas cidades paulistas? Não é provável. Sem dúvida, não é desprezível essa relação entre tradição de uma ética e os comportamentos contemporâneos. Mas, e para regiões no Brasil onde não houver essa homogeneidade social e étnica encontrada nas cidades do sul, não haverá desenvolvimento? Nas cidades gaúchas os serviços fundamentais e de maior qualidade na saúde não são os privados. Não essa euforia estúpida que existe em São Paulo em torno das melhores escolas particulares. Procura-se acrescentar qualidades às escolas públicas que não é destinada apenas aos pobres. Isso interfere positivamente na desigualdade social. O que quer dizer que no processo social vai haver uma melhor distribuição de renda, de melhores salários. Poderia se afirmar que os trabalhadores gaúchos dessas cidades são mão de obra mais qualificada e por isso ganham mais e que nas cidades de São Paulo, essa mão de obra de imigrantes (principalmente) é de má qualidade. Bem tratada ela de fato não é! Mas incapaz como faz ver a velha ideologia dominante, tão velha quanto a própria expressão, também não é. Então, o que explicaria o dinamismo das economias interioranas de São Paulo. O talento dos dirigentes? É difícil acreditar. Vale mencionar como são os salários nas poderosas cidades paulistas: são bem baixos, favorecendo a concentração de renda. Some-se a isso a má qualidade dos serviços públicos. Nas cidades paulistas há um mundo privado que concentra riqueza e serviços privados e há espaços e serviços públicos entregues à precariedade. Quase não há cinemas, não há teatros, não há livrarias nas cidades paulistas. Nas mais ricas, inclusive. O desenvolvimento social nessas condições pode se realizar? Mas, sem desenvolvimento social, pode haver desenvolvimento econômico? Nalguma medida parece que sim. Essa é uma proposição boa para se discutir e relembrar o quanto as economias historicamente cresceram sem propiciar desenvolvimento social. Afinal o que torna feliz o interior do Rio Grande do Sul? Seria o pleno exercício do espírito capitalista aliado à educação que qualifica e disciplina os empresários e trabalhadores ou seria mais a consciência da importância de se investir na vida pública para o desenvolvimento social que por fim não vai ser incompatível com a vida econômica? Seria bom encontrar respostas para reproduzir essa condição no Brasil, afinal não há mais como sermos todos descendentes de alemães e protestantes, mas queremos todos ser felizes.

2 comentários:

Paulo T. Matiuzzi disse...

Muito bom o texto, adorei mesmo! Sempre que tenho tempo disponível procuro dar um "olhadinha"...

Lá vai meu blog: http://mundocaohasalvacao.blogspot.com/2007/10/fim-do-sculo-pretenes-de-conquista.html

Zerfas disse...

Olá professor!
sou aluna da UFRJ do curso de geografia, tenho a minha familia "plantada" no seio desde chamado vale da felicidade. Se o fato do protestantismo se o cerne da questã, acredito em muito que seja a principal questão. Já que em um Brasil em que no final do sec. XIX não havia escolas para leigos, nas regiões ondes estes alemães chegaram instalaram junto as sua igrejas as tais escolas. Se isso muda alguma coisa, acredito que sim, no fato de repensarem de onde vieram e para onde queriam ir. Se pensarmos que eles foram alocados de maneira para impedir a perda do territorio e estes ali tiveram direito a terra , onde de onde vieram não o tinham, transforam aquilo numa terra de milagres. Sou aficcionada pela questão do cluster industrial dos Sinos, que mesmo apos inumeras crises continua sobressaindo diante de toda a desconfiança de sua total falencia. Ela (o vale)mantem hj, fora o circuito economico do calçado, uma pequena gestão agroindustrial para o mercado interno supra local e um grande empreendorismo no turismo intra regional, com seus supostos caminhos como o romantico e do calçado... e quem sabe um dia migro pro ramo e monto a minha casa agrobussines junto a uma rota dessas e me torno gaucha.
ester zerfas - RIO DE JANEIRO