sexta-feira, 19 de março de 2010

Galinhas também são gente?

Jaime Oliva

Movimentos contra o tratamento cruel a animais (como por exemplo, ocorre nos EUA a propósito da criação de galinhas - no Brasil também já houve manifestações a respeito) colocam uma importante questão sobre se haveria ou não, um direito do que chamamos natureza. Seria o direito dos humanos superior?
Os termos do movimento nos EUA são os seguintes: as galinhas estão sem direitos, encontram-se num ambiente estressante e emitem gritos de socorro. Galinhas também são gente, ou então galinhas também têm direitos. Essa é a bandeira dos defensores das galinhas e de muitos defensores do mundo da natureza, que condenam o antropocentrismo dos criadores que vêem na galinha algo a ser manipulado pelo homem. Temos esse direito?
Algumas perguntas para estimular esse debate: dizer que as galinhas também são gente não é uma outra face do antropocentrismo? Elas são galinhas ainda, apesar de toda transformação humana? São porque há o mecanismo da vida como meio de produção, embora seja uma vida quase que inteiramente controlada. A questão é: o quanto afastamos a natureza de seu próprio funcionamento e o quanto é legítimo nossa intervenção?
Nos livros de Michel Serres (O contrato natural) e de Luc Ferry (A Nova ordem ecológica) encontram-se opiniões interessantíssimas sobre o direito natural perante o direito humano. Essa discussão envolve a questão da crueldade no tratamento dos animais; e também o direito do mundo inorgânico.
Os criadores acusados argumentam que os defensores dos direitos dos animais estão tratando as galinhas como se fossem gente? Mas o fato de não serem gente justifica a crueldade? Os maus tratamentos não são problemáticos para o processo produtivo? Esse seria o limite?
Na expressão tratamento humanitário (não é humano tratar mal?) não estaria embutido uma visão que o homem é naturalmente bom, e quando ele não é bom ele está se afastando de sua natureza? Será que não dá para pensarmos essa questão da relação homem-natureza sob outros ângulos?
Outro viés da discussão: a questão da produção econômica e das necessidades materiais humanas - haveria por meios alternativos, menos cruéis formas de produzirmos alimentos em escala necessária para a população mundial? Ambientes menos cruéis para as galinhas – questão do custo e da produtividade, e as consequências para a economia estabelecida e para outros animais não implicariam em custos insuportáveis que aumentaria a fome dos seres humanos?
Esse é um bom motivo para defender esse tipo de produção animal em grande escala? Vale a pena fazer qualquer coisa em função da racionalidade econômica? O frango é muito presente na dieta e na economia. A galinha é a carne mais barata e responsável por boa parte da proteína animal da humanidade. Afinal essa produção em alta escala tem beneficiado a todo mundo? Isso por si só justificaria esse tipo de produção?
Uma das maneiras (ou uma das razões?) de combater o sistema industrial moderno de produção (que destruiria a natureza e infligiria dor ao mundo animal) é a discussão sobre a alimentação saudável. Além de tudo isso a produção capitalista moderna seria um veículo de enfermidades.
O alimento orgânico se harmoniza com um tratamento menos cruel aos animais e é mais saudável para nós. Esse tipo de argumentação faz sentido? É justo a campanha contra a alimentação carnívora como meio de combater a crueldade no tratamento dos animais? O ser vegetal não é um ser vivo também?
Não estaríamos os violentando ao produzi-los como os produzimos? Afinal como devem ser nossas relações com a natureza? Não devemos humanizá-la como sempre fizemos? (esse humanizar aqui é colocá-lo a serviço do ser humano) Humanizá-la significa necessariamente destruí-la e tratamento cruel? Eis as questões e os impasses a serem enfrentados.

Bibliografia
FERRY, Luc. A Nova ordem ecológica; a árvore, o animal, o homem (trad. Álvaro Cabral). São Paulo. Editora Ensaio, 1994. 193 p.
GRAZIANO DA SILVA, José. O que é a questão agrária. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1987. (Col. Primeiros passos)
SERRES, Michel. O contrato natural (trad. Beatriz Sidoux). Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 1991. 142 p. (Coleção Nova Fronteira Verde)

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