segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O sistema de transportes no Brasil

Jaime Oliva e Roberto Giansanti


Quando nos referimos ao sistema de transporte costumamos ter em mente apenas a locomoção de pessoas e de volumes diversos, que se movem sobre o território em veículos autônomos como caminhões, trens, barcos, aviões, etc., por meio de estradas, hidrovias e rotas. Mas o sistema de transportes é muito mais do que isso. As tecnologias telemáticas realizam transporte, assim como o Correio. O sistema energético se estrutura em redes incorporadas ao território que transportam eletricidade e combustíveis. O mesmo se dá com o sistema de saneamento e abastecimento básico e irrigação, que transporta a curtas e longas distâncias a água. Quase todos os sistemas técnicos transportam algo.
À medida que as sociedades se formaram e foram integrando um maior número de pessoas e de territórios, a necessidade de locomoção cresceu, em razão dos laços de interdependência social.
Entre as trocas sociais, as mais concretas são as econômicas. A vida econômica se estrutura sobre a divisão do trabalho, ou seja, se faz com base em especialização. Diminuindo a diversidade produtiva, os grupos sociais e os lugares que se especializam ficam dependentes daquilo que não produzem. A simples divisão campo—cidade já implica um grau elevado de especialização.
Essa é a lógica social e econômica que requer meios de transporte para que as relações se complementem. Eles, por sua vez, organizam-se no território como sistema técnico.
Uma discussão fundamental acerca dos transportes diz respeito ao papel que ocupam no desenvolvimento social e econômico. Sua expansão resultaria desse desenvolvimento ou, ao contrário, seria ela que o provocaria? O sistema de transportes é um dado do território que proporciona maior ou menor fluidez, dependendo de sua qualidade e quantidade.
Quer dizer, ao mesmo tempo que é produto da ação social, o território acaba por reagir sobre essa mesma ação. Assim, do mesmo modo que o sistema de transporte territorializado reflete o grau de desenvolvimento econômico e social — logo, a intensidade de relações — de um país, ele é responsável por esse desenvolvimento. É da natureza do espaço, ou do território, ser as duas coisas ao mesmo tempo.
Com essa forma de abordagem vamos examinar, em linhas gerais, o sistema de transportes no Brasil, começando por assinalar três pontos:
1. Durante um longo período da história do Brasil — quatro séculos — a maioria da população habitou a faixa litorânea, aluando numa economia de exportação, o que até hoje explica a maior densidade de meios de transporte nessa região em relação ao interior. Nos três primeiros séculos, os Transportes eram feitos em lombo de burro; posteriormente em trens, principal meio de transporte até as décadas de 1920 e 1930. Não existia uma malha de transportes, mas linhas — sem conexão lateral — que ligavam diretamente o interior aos portos litorâneos, permitindo sobretudo o escoamento do café.
2. Só a partir da década de 1940, com o advento da industrialização e a urbanização no Sudeste brasileiro, o território brasileiro começa de fato a ser integrado. Esses processos fizeram da região um centro polarizador e irradiador de relações socioeconômicas para o restante do território, num movimento de formação do mercado nacional, por conta do crescimento do intercâmbio econômico e social, que passou a exigir ligações regulares e por terra. Nesse contexto, várias estradas são construídas e se interconectam; logo, somente a partir dessa data podemos falar da estruturação de um sistema de transportes.
3. O novo sistema de transpor te que irá se estruturar terá como centro o modelo rodoviário — fato raro em países de tão grande extensão territorial —, o que é essencial para explicar a nossa atual malha de transportes. Mais importante que essa centralidade é o falo de o modelo rodoviário não ler sido introduzido para compor com outros um sistema intermodal, com diversidade de meios. Não, ele foi implantado concorrendo com a ferrovia, por exemplo, o que levou esse sistema tradicional à decadência.
Aí estão os pontos básicos que começam a delinear o perfil dos transportes no Brasil. Os países que se industrializaram no século XIX e no início do século XX — e que desde essa época formavam mercados nacionais respeitáveis — estruturaram uma malha de transportes com base no trem, que era ao mesmo tempo um dos produtos principais da Revolução Industrial. E, sempre que tinham condições, aproveitavam as vias navegáveis, como no caso do Japão e dos Estados Unidos.
Por sua vez, o Brasil integrou seu território e se industrializou mais tardiamente, em pleno apogeu da indústria automobilística, que aliás será nosso principal setor industrial. Assim, o transporte rodoviário se apresentou como um modelo automático e inevitável para o país, seguindo uma tendência — aqui de modo pleno — das sociedades modernas em geral, que já não prestigiam o transporte ferroviário, como no passado.
Não é preciso muito esforço para se perceber que privilegiar um único sistema de transporte em um território tão vasto quanto o do Brasil é irracional e traz desperdícios, como, por exemplo, a subutilização dos rios navegáveis, ou mesmo o abandono do transporte ferroviário — que de 32 mil quilômetros de extensão, em 1929, caiu para 29909 em 1978. Diante da força do modelo rodoviário, são freqüentes os discursos e propostas para modificar o quadro.
Um caso ilustrativo é a projeção do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (IIPND) para o transporte de cargas na década de 1980 (transporte rodoviário: 54%; ferroviário: 32%; navegação de cabotagem: 14%). Essa projeção alterou-se significativamente nos anos 90 (transporte rodoviário: 70%; ferroviário: 18%; navegação de cabotagem: 10%).

Um comentário:

Prussiano disse...

muito bom o artigo, gostei bastante.
li em um artigo recente que o brasil poderia economizar $12 bilhoes de dolares por ano em transporte se aproveitace melhor os seus rios para o transporte de suas mercadorias.
abraço,
André Luis de Oliveira