Jaime Oliva
Não faltam listas e comentários que incluam a Índia no rol dos países emergentes. A sua nova inserção na economia moderna, em especial pelo viés das tecnologias digitais, tem produzido perspectivas de crescimento econômico, que de fato já há, e tudo indica que essas transformações que dependem de um novo quadro relacional para além da escala nacional vão gerar uma pressão sobre os comportamentos tradicionais. O que se vislumbra, em razão desse novo espaço relacional, é um horizonte de tensões e mudanças culturais. A modernização atual se beneficia com uma mudança de qualidade no processo econômico que se inicia com a abertura econômica da década de 1990. Nesse momento, as autoridades governamentais abolem a política de self-reliance (a vontade de só contar com seus próprios recursos), que guarda alguma semelhança com a política de substituição de importações que prevaleceu no Brasil no pós Segunda Guerra Mundial até o fim do regime militar. A diferença é que o self-reliance indiano admitia de forma muito mais restrita a presença de empresas multinacionais em seu território diferentemente do caso brasileiro. Modernização: esse termo modernização usado tão freqüentemente sem que se dê conta de seu sentido possui uma definição conceitual que se refere ao processo de expansão do modelo ocidental-europeu de vida para todos os recantos do planeta. Por isso, muitos o tratam como ocidentalização ou europeização. E o que é a modernização? Trata-se de um processo complexo que no plano econômico abre-se para a iniciativa privada – ou regulada por um estado – visando uma economia racionalizada, técnica e de produção constante. Sociedades tradicionais não procediam assim. No campo social e político dissolvem-se os poderes definidos por tradição cultural. É no mundo moderno de inspiração européia que todos os segmentos sociais vão ter o acesso, em tese, ao poder político e econômico. Não é preciso pertencer à nobreza ou a alguma casta tradicional. É no mundo moderno que começa a aquisição de cidadania por parte das mulheres. Nessa sociedade surge o indivíduo.
Modernização indiana: a Índia contemporânea é uma “criação” européia a partir do colonialismo inglês. No interior dessa colônia os ingleses articularam um imenso território ocupado por povos muito distintos sob um único comando. De certo modo o colonizador criou interesses nacionais que vieram por fim obter a independência da Inglaterra em 1947. Sob um novo estado liberto procurou-se colocar-se em convivência pacífica uma extraordinária diversidade étnica sob um regime republicano democrático em que as classes e castas poderosas anteriores não teriam, pelo menos no plano jurídico, mais direitos que a população em geral. Isso já é uma criação moderna. Pode-se dizer então que a Índia é fruto de um processo estrutural de modernização. A diferença para atualidade é que se a modernização na Índia era lenta e seguia caminhos próprios, atualmente, com a maior abertura, pode estar mais sujeito a uma face mais acelerada e padronizada da modernização.
Índia- um país rural: apenas 26% da população indiana é urbana. Se comparada ao Brasil a diferença é abismal. E o que significa isso. Significa baixa modernização, pois essa é eminentemente urbana. Nas zonas rurais leva-se uma vida de tipo mais tradicional. O que caracteriza universalmente a vida rural é a inexistência de ascensão social, o relacionamento apenas com as pessoas geograficamente próximas (isso explica a pequena quantidade na Índia de telefones e televisões – muito menos que no Brasil onde a população é bem menor) e um índice muito baixo de mistura étnica, já que isso acontece nas cidades. Isso explica porque na Índia se mantém mais de um milhar línguas e uma infinidade de dialetos que não desaparecem. Muitos agrupamentos rurais vivem imersos num dialeto ágrafo (sem escrita, por isso é enorme o índice de analfabetismo – 52%) e não estabelecem contato com outras línguas, o que na cidade é impossível. Por isso, é importante compreender que a modernização atinge apenas as cidades e só será de fato radical se começar a abolir o ruralismo.
O pluralismo étnico/cultural: são dezoito línguas oficiais no país, mas estudiosos apontam a existência de mais de 1000 línguas e aproximadamente 3000 dialetos. O inglês, por vezes, é a única língua que permite a comunicação entre certos grupos. Como um país de superfície de 3.287.590 km2 e mais de 1 bilhão de habitantes (densidade demográfica de 277,9 Km2), portanto, longe de ter áreas desertas e grupos isolados em áreas de baixa ocupação (ao contrário todos estão muito próximos) consegue manter tão características as etnias a ponto de ter tantos dialetos? Esses últimos tendem a desaparecer com a modernização que padroniza costumes de um modo geral. Uma razão é o fato da espacialidade do rural propiciar, por definição, um nível modesto de relações sociais. Estão próximos na extensão, mas a realidade espacial é plena de afastamentos.
As castas: outra razão é a herança de uma radical sociedade tradicional de castas. Castas são grupos sociais fechados característicos que não se misturam com outros. E para tal, criam afastamentos geográficos, lugares proibidos etc. A ideia que predomina no interior das castas é de pureza (castus em latim). A sociedade indiana foi estruturada historicamente com base em castas. Em hindi, língua falada por 40% dos indianos (que por sua vez possui dialetos internos) a palavra para designar casta é varna que quer dizer critério racial. O rigor dessa sociedade de castas impõe sanções rigorosas a quem violar seus princípios. Isso é típico de uma sociedade tradicional. Viver-se o presente com base em tradições imutáveis.
As castas e as religiões modernas: a modernização na Índia vem abalando a sociedade de castas, mas isso somente nas cidades. Nas zonas rurais isso já é mais difícil. Um outro fator entra e conflito com as sociedades de castas: a expansão do islamismo (são mais de 100 milhões de muçulmanos) e do budismo religiões que se instalam em certas regiões da Índia e que não admitem as castas. Apesar de muitos indianos serem adeptos dessas religiões nem por isso deixaram de respeitar e reproduzir as castas. O que mostra um fundamento cultural mais profundo do que as adesões religiosas, diferentemente do que se costuma pensar. Assim a Índia é um conjunto étnico plural em relação ao qual a modernização pode se apresentar como um elemento diluidor. Daí a razão da contestação esperada contra a ocidentalização. Essa representa uma ameaça de fato contra a identidade cultural de muitas dessas etnias. Compreender esse país exige considerar os esforços e as concessões do poder central, necessários para manter a unidade desse país que nasceu dividido e separado.
A vida política na Índia: o hinduísmo é a religião que predomina no interior de uma enorme diversidade: 82% da população contra 12% de muçulmanos (as variações internas a cada uma são grandes). As minorias religiosas/étnicas embora minorias, podem ser maioria em diversas regiões e se constituem em focos de tensão ao poder central. Isso acontece na Caxemira onde predominam os islâmicos e no Punjab onde é maioria a etnia sikh. Os poderes locais estão subdivididos em 25 estados e 7 territórios. Em cada uma dessas unidades há sempre um equilíbrio muito delicado de etnias, castas etc. Ao definir uma política para um determinado estado, o poder central pode estar incomodando o equilíbrio étnico do país. Se os muçulmanos de um dado estado sentirem-se prejudicados por uma ação governamental isso pode significar revoltas no país inteiro. E a vida da Índia desde 1947 é marcada por uma série de conflitos dessa natureza que por vezes ameaçam a unidade nacional e territorial do país.
A dinâmica demográfica da Índia: a Índia juntamente com a China, a Indonésia, o Paquistão e Bangladesh contêm a metade da população mundial. Sozinha a Índia já possui mais de 1 bilhão de habitantes. No entanto, pode-se dizer que a modernização de algum modo vem interferindo na dinâmica demográfica do país. A taxa de crescimento populacional já está abaixo a 2% ano (o que é um índice semelhante ao Brasil), assim como a taxa de fecundidade (3,85 filhos por mulher em idade fértil) representa um número bem mais baixo do que os existentes até nos anos 1970. Isso tudo com o aumento da expectativa de vida que está em 60,4 anos. Todos esses números representam a presença de meios anticoncepcionais, de maior circulação de informações, de maior urbanização (ou de disseminação de comportamento urbano), de abandono de certos hábitos tradicionais e da emancipação feminina (ainda tímida, mas já mostrando resultados na dinâmica demográfica). Se o crescimento populacional indiano assusta isso se deve à base já existente que é imensa, mas o ritmo do crescimento vem caindo.
As vantagens econômicas de uma modernização tardia: é notória no mundo a importância que a Índia vem adquirindo no campo da informática. Os números da reportagem são enfáticos. Como um país com tamanha diferença cultural do Ocidente e tantos analfabetos consegue obter uma excelência notória em informática, cujo destaque é a enorme criatividade. Uma das teses é que a modernização tardia livrou os indianos de certos males e hábitos padronizantes da modernidade, algo que pode ser apreendido como uma burocratização rígida. Diferentemente, os povos noviços nas práticas empresariais e tecnológicas possuem uma abertura mental que na Europa e nos EUA já não são tão comuns. Mas, esse tema exige maior desenvolvimento.
Modernização indiana: a Índia contemporânea é uma “criação” européia a partir do colonialismo inglês. No interior dessa colônia os ingleses articularam um imenso território ocupado por povos muito distintos sob um único comando. De certo modo o colonizador criou interesses nacionais que vieram por fim obter a independência da Inglaterra em 1947. Sob um novo estado liberto procurou-se colocar-se em convivência pacífica uma extraordinária diversidade étnica sob um regime republicano democrático em que as classes e castas poderosas anteriores não teriam, pelo menos no plano jurídico, mais direitos que a população em geral. Isso já é uma criação moderna. Pode-se dizer então que a Índia é fruto de um processo estrutural de modernização. A diferença para atualidade é que se a modernização na Índia era lenta e seguia caminhos próprios, atualmente, com a maior abertura, pode estar mais sujeito a uma face mais acelerada e padronizada da modernização.
Índia- um país rural: apenas 26% da população indiana é urbana. Se comparada ao Brasil a diferença é abismal. E o que significa isso. Significa baixa modernização, pois essa é eminentemente urbana. Nas zonas rurais leva-se uma vida de tipo mais tradicional. O que caracteriza universalmente a vida rural é a inexistência de ascensão social, o relacionamento apenas com as pessoas geograficamente próximas (isso explica a pequena quantidade na Índia de telefones e televisões – muito menos que no Brasil onde a população é bem menor) e um índice muito baixo de mistura étnica, já que isso acontece nas cidades. Isso explica porque na Índia se mantém mais de um milhar línguas e uma infinidade de dialetos que não desaparecem. Muitos agrupamentos rurais vivem imersos num dialeto ágrafo (sem escrita, por isso é enorme o índice de analfabetismo – 52%) e não estabelecem contato com outras línguas, o que na cidade é impossível. Por isso, é importante compreender que a modernização atinge apenas as cidades e só será de fato radical se começar a abolir o ruralismo.
O pluralismo étnico/cultural: são dezoito línguas oficiais no país, mas estudiosos apontam a existência de mais de 1000 línguas e aproximadamente 3000 dialetos. O inglês, por vezes, é a única língua que permite a comunicação entre certos grupos. Como um país de superfície de 3.287.590 km2 e mais de 1 bilhão de habitantes (densidade demográfica de 277,9 Km2), portanto, longe de ter áreas desertas e grupos isolados em áreas de baixa ocupação (ao contrário todos estão muito próximos) consegue manter tão características as etnias a ponto de ter tantos dialetos? Esses últimos tendem a desaparecer com a modernização que padroniza costumes de um modo geral. Uma razão é o fato da espacialidade do rural propiciar, por definição, um nível modesto de relações sociais. Estão próximos na extensão, mas a realidade espacial é plena de afastamentos.
As castas: outra razão é a herança de uma radical sociedade tradicional de castas. Castas são grupos sociais fechados característicos que não se misturam com outros. E para tal, criam afastamentos geográficos, lugares proibidos etc. A ideia que predomina no interior das castas é de pureza (castus em latim). A sociedade indiana foi estruturada historicamente com base em castas. Em hindi, língua falada por 40% dos indianos (que por sua vez possui dialetos internos) a palavra para designar casta é varna que quer dizer critério racial. O rigor dessa sociedade de castas impõe sanções rigorosas a quem violar seus princípios. Isso é típico de uma sociedade tradicional. Viver-se o presente com base em tradições imutáveis.
As castas e as religiões modernas: a modernização na Índia vem abalando a sociedade de castas, mas isso somente nas cidades. Nas zonas rurais isso já é mais difícil. Um outro fator entra e conflito com as sociedades de castas: a expansão do islamismo (são mais de 100 milhões de muçulmanos) e do budismo religiões que se instalam em certas regiões da Índia e que não admitem as castas. Apesar de muitos indianos serem adeptos dessas religiões nem por isso deixaram de respeitar e reproduzir as castas. O que mostra um fundamento cultural mais profundo do que as adesões religiosas, diferentemente do que se costuma pensar. Assim a Índia é um conjunto étnico plural em relação ao qual a modernização pode se apresentar como um elemento diluidor. Daí a razão da contestação esperada contra a ocidentalização. Essa representa uma ameaça de fato contra a identidade cultural de muitas dessas etnias. Compreender esse país exige considerar os esforços e as concessões do poder central, necessários para manter a unidade desse país que nasceu dividido e separado.
A vida política na Índia: o hinduísmo é a religião que predomina no interior de uma enorme diversidade: 82% da população contra 12% de muçulmanos (as variações internas a cada uma são grandes). As minorias religiosas/étnicas embora minorias, podem ser maioria em diversas regiões e se constituem em focos de tensão ao poder central. Isso acontece na Caxemira onde predominam os islâmicos e no Punjab onde é maioria a etnia sikh. Os poderes locais estão subdivididos em 25 estados e 7 territórios. Em cada uma dessas unidades há sempre um equilíbrio muito delicado de etnias, castas etc. Ao definir uma política para um determinado estado, o poder central pode estar incomodando o equilíbrio étnico do país. Se os muçulmanos de um dado estado sentirem-se prejudicados por uma ação governamental isso pode significar revoltas no país inteiro. E a vida da Índia desde 1947 é marcada por uma série de conflitos dessa natureza que por vezes ameaçam a unidade nacional e territorial do país.
A dinâmica demográfica da Índia: a Índia juntamente com a China, a Indonésia, o Paquistão e Bangladesh contêm a metade da população mundial. Sozinha a Índia já possui mais de 1 bilhão de habitantes. No entanto, pode-se dizer que a modernização de algum modo vem interferindo na dinâmica demográfica do país. A taxa de crescimento populacional já está abaixo a 2% ano (o que é um índice semelhante ao Brasil), assim como a taxa de fecundidade (3,85 filhos por mulher em idade fértil) representa um número bem mais baixo do que os existentes até nos anos 1970. Isso tudo com o aumento da expectativa de vida que está em 60,4 anos. Todos esses números representam a presença de meios anticoncepcionais, de maior circulação de informações, de maior urbanização (ou de disseminação de comportamento urbano), de abandono de certos hábitos tradicionais e da emancipação feminina (ainda tímida, mas já mostrando resultados na dinâmica demográfica). Se o crescimento populacional indiano assusta isso se deve à base já existente que é imensa, mas o ritmo do crescimento vem caindo.
As vantagens econômicas de uma modernização tardia: é notória no mundo a importância que a Índia vem adquirindo no campo da informática. Os números da reportagem são enfáticos. Como um país com tamanha diferença cultural do Ocidente e tantos analfabetos consegue obter uma excelência notória em informática, cujo destaque é a enorme criatividade. Uma das teses é que a modernização tardia livrou os indianos de certos males e hábitos padronizantes da modernidade, algo que pode ser apreendido como uma burocratização rígida. Diferentemente, os povos noviços nas práticas empresariais e tecnológicas possuem uma abertura mental que na Europa e nos EUA já não são tão comuns. Mas, esse tema exige maior desenvolvimento.
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