quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Uma problematização da identidade da Geografia

Jaime Oliva
A Geografia é uma área do saber (a despeito de ser muito familiar com sua forte presença na formação de todos como disciplina escolar) com certa crise de identidade. As dificuldades para se definir seu objeto de estudo e sua área de atuação na divisão dos saberes são notórias, inclusive junto aos seus próprios praticantes. Se inquiridos a respeito do foco da Geografia não é incomum resultar uma listagem que não converge para foco algum, que sequer apresenta coerência quanto à classificação convencional das ciências. Assim, não há como concluir sobre o pertencimento da Geografia ao rol das ciências humanas ou das ciências da natureza.
Se compararmos a imagem comum da Geografia com as características básicas dos campos científicos, tais como procedimento analítico, objeto de estudo claro, métodos compatíveis com esses objetos (por exemplo, métodos específicos das ciências naturais e métodos das ciências humanas), vamos notar várias incompatibilidades. A mais evidente é a afirmação de que a Geografia é ao mesmo tempo uma ciência da natureza e uma ciência humana, que estaria nessa interface híbrida, o que revive de certo modo a pretensão de uma “ciência de síntese”, fato esse que seria único no conjunto das ciências. Ciência é análise, antes de tudo...
Será que essa imagem expressa um ramo do saber que é diferente dos outros ou essa imagem é produto de uma fragilidade histórica que precisa ser enfrentada e resolvida? Essa é uma questão importante para o início das discussões em torno do desenvolvimento da Geografia.
Toda a complicação das discussões sobre a Geografia inicia-se com o fato desse campo conter duas áreas com focos bem diferentes: a Geografia Física tem como objeto a natureza, enquanto a Geografia Humana dirige seu olhar para o social, para algo do social. O que relacionaria essas duas áreas é o fato de que o núcleo de estudos da Geografia seria as relações homem – natureza. Porém, examinando-se o conjunto da produção geográfica percebe-se facilmente que esse núcleo não é núcleo, é um aspecto. O básico da produção nas duas áreas não parece brotar de um diálogo entre elas, e muito menos reflete estudos sobre as relações homem – natureza.
Não é para menos: é muito difícil compatibilizar num mesmo campo científico estudos sobre a natureza com estudos sobre o social, isso porque o social (humano) e o natural parecem corresponder a realidades muito distintas, no seu próprio ser. Por quê? O quadro abaixo apresenta um esquema das diferenças fundamentais dos objetos natureza e social, tal como até então foram apreendidos após da desnaturalização do social, que, aliás, não é unânime, tal como os social-darwinistas exemplificam.

O humano (social) e a natureza enquanto objetos de estudos

1. Dinâmica: Natureza - não muda; Humano (social) - muda.
2. Experimentação (simulação): Natureza - sim; Humano (social) - não.
3. Leis (regularidades): Natureza - sim; Humano (social) -não
4. Previsão: Natureza - sim; Humano (social) - probabilidades
5. Análise: Natureza - decomposição fácil; Humano (social) - decomposição complexa
6. Intencionalidade (razão, liberdade): Natureza - não; Humano (social) - sim.
7. Objetividade: Natureza - Sim; Humano (social) - nem sempre
O item mais evidentemente polêmico do quadro é o que qualifica a dinâmica da natureza e do social. A natureza não muda, ao menos numa dimensão inicial, como os próprios cientistas da natureza demonstram ao procurar leis estáveis e universais de funcionamento do mundo natural, ao passo que, o mesmo não pode ser obtido do mundo social. Diante desse quadro como compatibilizar as “duas geografias”? Discussão tão antiga quanto a própria história da geografia, mas que atualmente escamoteia-se como se não existisse e estivesse resolvida. Um engano, que mantém pés de barros na estrutura teórica da ciência geográfica.

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