quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Paquistão: entre modernizar o islã ou islamizar a modernidade

Jaime Oliva
Observando a situação do Paquistão o que imediatamente salta aos olhos é a contraposição entre o moderno e o tradicional no núcleo constitutivo do país. Ao mesmo tempo em que os próprios agricultores definem seu sistema agrário como “feudal”, a bolsa de valores paquistanesa está crescendo e conquistando cada vez mais espaço no mercado internacional; ao mesmo tempo em que existe um ministério da condição feminina, populações menos assistidas recorrem à intercessão de um líder espiritual junto às forças políticas para terem suas reivindicações atendidas.
Foto: Luís Paulo Ferraz

A questão da modernização nos países islâmicos é complexa. Para o historiador francês Marc Ferro, há um sério conflito entre os islâmicos que querem “modernizar o islã” e os que querem “islamizar a modernidade”. Entre os primeiros, bons exemplos são o Egito, na época de Nasser, e a Tunísia, sob o governo de Bourguiba. Esses governantes, respaldados por segmentos de sua população, foram capazes de modernizar a religião e construir Estados-nação laicos, ao mesmo tempo em que se libertavam de seus colonizadores. A ampliação das relações sociais e econômicas para o âmbito da escala mundial levou vários dos países árabes e muçulmanos a ingressar na economia de mercado ocidental. O petróleo, a maior fonte de recursos da região, foi totalmente inserido na economia moderna, em especial na economia norte-americana. Isso mesmo considerando que em termos de fluxo petrolífero o Oriente Médio não é o principal fornecedor norte-americano (é a Venezuela). As grandes companhias petrolíferas envolvidas na extração, no refino e na distribuição são em boa medida, transnacionais de origem norte-americana. Também as rendas do petróleo árabe (em especial) estão em boa medida nos Estados Unidos, embora hoje já se assista mega-investimentos locais (Dubai, por exemplo). Como conseqüência, os países árabes são fortíssimos consumidores das exportações norte-americanas. A economia de mercado produziu uma classe de “pessoas modernizadas”, cuja formação visa satisfazer as necessidades do mercado; engenheiros, administradores, economistas.
Porém, essa modernização foi e (é) excludente, e estão à margem milhões de pessoas. Assim, ganhou força no interior dessas sociedades a idéia de que é preciso reunificar e reforçar o islã para resistir ao “mundo imperialista ocidental”. O fundamentalismo insinua-se nas próprias estruturas estatais (como no caso do Irã, com a revolução islâmica). É bom lembrar que o Paquistão foi fundado como estado não laico, um estado islâmico. Nesse contexto se encaixa grupos terroristas, como a Al-Qaeda, de Osama Bin Laden.
Voltando ao caso do Paquistão é possível indicar algumas características esquemáticas da contraposição moderno e tradicional no país. É bom notar que esse olhar esquemático serve apenas para abrir reflexões, é ponto de partida e não de chegada. As características indicadas no esquema colocadas em situação vão mostrar uma realidade mostrar-se-á plena de nuances, com uma complexidade que necessariamente vai relegar esse esquema a apenas o que ele é: um procedimento útil para se aproximar aos quadros reais de vida:


As mulheres e a modernidade: muito se discute sobre a condição feminina nos países de orientação islâmica. Diferentes das ocidentais, as mulheres árabes e muçulmanas comportariam-se, tradicionalmente, de maneira a não desagradar os homens, cobrindo seus corpos e deixando de estudar, por exemplo. Essa imagem, bastante comum no Ocidente, é criticada, em oposição à idéia de que as mulheres ocidentais têm liberdades e direitos que as islâmicas que não têm. As primeiras, modernas, seriam fortes guerreiras que conquistaram direitos num espaço público antes dominado pelos homens, enquanto as outras são submissas às vontades dos pais, maridos ou irmãos. Mas não é tão óbvio, pois a vertente social que quer modernizar o islã logrou incluir na estrutura estatal um ministério da condição feminina. E é preciso não esquecer que por vários anos o primeiro ministro do Paquistão foi uma mulher, Benazir Bhutto, recentemente assassinada.

Foto: Luís Paulo Ferraz

Na Índia, país vizinho, o mesmo ocorreu com Indira Gandhi (primeira-ministra e também assassinada). Os assassinatos indicam as dificuldades brutais, mas, a violência sempre presente como elemento não político nas relações políticas desses países, não impediu essa condição surpreendente de ascensão feminina. Principais mandatários mulheres não são de fato comuns mesmo no mundo ocidental. Esse fato por si só indica movimentos internos e conflitos nessa sociedade, que está longe de harmonizar visto a contradição das perspectivas dos segmentos sociais. Se a modernização do islã tivesse se mostrado menos excludente e tivesse seus efeitos perversos controlados, talvez o presente indicasse caminhos mais seguros para o futuro.

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