terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Arborização para a urbanidade, ou para uma anti-cidade?

Jaime Oliva

Boa parte da publicidade de empreendimentos imobiliários em São Paulo busca valorizar o imóvel por ser próximo a um parque. Ou então, por possuir nas suas instalações bosques exclusivos. Isso é mais valorizado do que o fato, eventual, do edifício se encontrar numa área forte em urbanidade, o que já indica uma ideologia anti-cidade.
Essa valorização instrumental do ambiente aproveita-se, consciente ou inconscientemente, da desordem epistemológica e da paranóia filosófica que certo tratamento da questão ambiental na abordagem do urbano e da cidade promove, influenciando, inclusive, políticas públicas descabidas. Vamos refletir, a propósito, sobre duas possibilidades elementares no enfoque da questão ambiental no interior das cidades:
1. Ou se pautar por minimizar os efeitos tidos como sempre ruins para o “ambiente” (o ambientalismo e boa parte da geografia recusam-se em referir-se a espaço, e o substituem por uma idéia de ambiente herdada do naturalismo, desprovida de qualquer complexidade) da concentração geográfica de objetos e gente com introduções de “manchas” naturais nas cidades, ou, de outro modo 2. Constituir uma qualidade ambiental que atenda parâmetros próprios a uma cidade, subordinada à busca da urbanidade.
Um caso que nos parece se alinhar com a primeira opção (representativa de visão majoritária alimentada pelo sentimento anti-cidade, em especial em São Paulo) veio retratado numa pequena matéria de jornal (FOLHA de S. Paulo. São Paulo terá sua área verde ampliada, 29/03/2001, p. C3.) A matéria tratava do principal programa da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente do município de São Paulo, na gestão da prefeita Marta Suplicy, denominado Programa Belezura Verde.
O programa baseava-se em alguns dados: na época a cidade tinha cerca de 3 m2 de área verde por habitante e a proporção recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é 12 m2 por pessoa. Além da proporção baixa a distribuição era (e é) muito desigual sendo que nas regiões periféricas os índices de área verde caem muito. Visando mitigar esse quadro esperava-se até o final do mandato a criação de 9 parques. Naquele momento na zona leste de São Paulo estava se criando um parque ecológico (suas dimensões correspondem a metade do Ibirapuera), cujas obras estavam sendo tocadas por uma empresa de paisagismo licenciada pelo Greenpeace.
Pretendia-se com a inauguração do parque, que além da visitação houvesse atividades de educação ambiental sobre cuidados com nascentes, a importância do resgate da flora nativa, etc.
Chama atenção nessa notícia o fato da política de expansão de áreas verdes se concentrar somente em parques. Sabemos que atualmente os parques da cidade apresentam uma situação precária e não só por motivos de ausência de manutenção da prefeitura. É que alguns não se integraram ao entorno e são mal utilizados.
Essa é uma questão que deve ser considerada. Por outro lado, como é óbvio, os parques não podem estar próximos de todos os seus usuários potenciais. Para tanto seu acesso exige muitas vezes que se faça trajetos de distância média, o que os acaba transformando em indutores do uso de meios de transportes e automóveis. Quer dizer: eles não são adequados para o acesso dominante de pedestres como o são os parques centrais das cidades européias, de Tóquio e de Nova York, por exemplo. Por que não se prioriza como modelo principal de arborização, algo mais distribuído pelas calçadas e praças? Não seria mais adequado?
A arborização que geraria sombra nos passeios públicos, criando um cenário adequado para as práticas pedestres. Isso representaria a melhoria do ambiente a cada metro. Nossas calçadas são praticamente intransitáveis e com seu uso inviabilizado resta às pessoas dirigirem-se procurarem o lazer em pontos de concentração de recursos, como um parque, por exemplo. Não parece muito correto, em termos ambientais e para a cidade, termos parques cercados de automóveis por todos os lados.
Por que a arborização em nossas calçadas é tão precária? Elas são estreitadas constantemente para aumentar-se o leito carroçável em benefício do trânsito de veículos, com evidente prejuízo para os pedestres, e também em boa parte da cidade elas são locais de passagem externa da rede elétrica, o que torna a convivência com as árvores um franco litígio. Por que concentrar a questão ambiental num parque? Que tipo de educação ambiental se dará ali? Algo voltado para os ambientes urbanos, ou atividades tendo em conta natureza nela mesmo?
Não estaremos pensando a qualidade ambiental da cidade como algo que resultaria da introdução de manchas de natureza cercada por áreas de estacionamento? Esse não é um discurso que atribui à cidade a condição de elemento de degradação do ambiente? Não é, francamente, uma postura anti-cidade?

Nenhum comentário: