sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Geografia Humanística e/ou Geografia da percepção

Jaime Oliva

Pode ser considerada uma corrente ou uma escola que criticava a Geografia praticada em seu período: a clássica (“tradicional”); as análises quantitativas e espaciais (a “New Geography”); as estruturais e radical-marxistas. No entender dos seus principais próceres, essas correntes minoravam o papel do ser humano, pois não levariam, suficientemente em conta, a ação de cada indivíduo, a subjetividade, a criatividade, e por isso incorreriam em erros epistemológicos e de percepção. Segundo os adeptos da Geografia da percepção o sujeito possui um papel ativo na construção das realidades e na relação com os objetos do conhecimento, construindo representações das realidades estudadas. Essa postura transforma a Geografia humanística progressivamente numa corrente construtiva.
Assim ela vai abrir caminho para uma nova abordagem da Geografia. A disciplina não mais será aquela que diz como é a superfície terrestre e como essa funciona (Geografia clássica); e nem será apenas aquela que diz como os espaços humanos devem ser usados ou são produzidos (Quantitativa e Crítica/marxista); mas será aquela que examina como o “espaço produz” o indivíduo (Geografia Humanística) e a vida social (Geografia contemporânea e renovada).
Essa corrente procura ultrapassar o dualismo entre processo cognitivo e a forma espacial e extrai da fenomenologia a vontade de considerar o objeto e o sujeito integrados na unidade vivida da existência e da experiência primitiva nos diferentes domínios. Isso deve se constituir na preocupação central de uma Geografia social do homem.
O essencial para a humanística é descobrir sob o fato espacial o grupo social, as raízes do comportamento no mundo, propondo uma observação sistemática do papel do simbolismo cultural. O objetivo é perceber como o fato espacial era primitivamente conhecido e vivido e chegar às questões de sentido e de intenção. O objetivo é encontrar o homem esquecido pelas ciências sociais.
Os temas de sua predileção são: o lugar, tido como a espacialidade imediata com a qual o indivíduo estabelece um envolvimento subjetivo forte (espaço de referência cognitiva e afetiva), o espaço-tempo, os estudos das paisagens etc. Seus estudos vão sustentar-se na fenomenologia, que modernamente, pós-Hurssel, pode ser enunciado como o método filosófico que se esforça em explicar a natureza das ligações que todo sujeito estabelece com seu meio ambiente e humano. Parte da descrição dos fenômenos, manifestações mentais que se apresentam à consciência (consciência intencional) de qualquer coisa: objetos, lugares e paisagens, lembranças, percepções, imagens, entidades lógicas e matemáticas. Em seguida o pensamento pode extrair de cada fenômeno, suprimindo imaginariamente seus predicados supérfluos, seu eidos (a essência). Esse é o método da redução eidética. Chega-se a uma idéia pura, forma genérica que transcende todas as figuras contingentes de suas representações. Essas essências organizam nosso pensamento ao mesmo tempo em que o constitui. Elas conferem um sentido aos fenômenos que desfilam no fluxo do nosso vivido.
O cogito fenomenológico em Geografia pode identificar um “ser geográfico” (Eric Dardel). Desde então, uma Geografia humanística amparada na fenomenologia leva em conta as relações existenciais do homem na Terra. Mais que o marxismo a fenomenologia ancora na Geografia uma verdadeira reflexão filosófica. O precursor é Eric Dardel com o trabalho L’Homme e la Terre (1952).
A realidade geográfica que se descreve assemelha-se ao mundo vivido (Husserl), ao mesmo tempo pré-reflexivo e pré-categorial (Heidegger) que permite ter em conta essa cumplicidade originária do homem sobre a Terra (a geograficidade).
Segundo Jean Marc-Besse são três aquisições epistemológicas que decorrem da fenomenologia na Geografia: 1. a tomada em conta de um mundo prático e valorizado segundo o engajamento humano sobre a Terra; 2. a recusa da objetivação sistemática dos fatos geográficos; 3. o recurso ao imaginário e a intencionalidade do sujeito na abordagem dos fenômenos geográficos.
Alguns problemas dessa corrente são certos apagamentos das estruturas sociais (uma exacerbação do individuo, por vezes exagerada) e uma certa confusão entre fatos e imagens.

3 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pelo belo texto. Além de muito esclarecedor possui uma tessitura muito elegante.

Ednalva Lima, mestranda em Educação e Ecologia Humana - UNB.

Anônimo disse...

Texto muito lúcido e esclarecedor sobre esta corrente que toma uma nova dimensão no momento histórico e cultural em que vivemos. Persevere nestas escritas, somos carentes de textos deste assunto e com tão significativa contribuição.

Eliana Feitosa - Doutoranda em Geografia - UnB

Anônimo disse...

Parabéns pelo artigo, foi de grande utilidade pra formulação de uma parte do meu TCC!