domingo, 16 de novembro de 2008

Escalas do urbano: metrópole, megalópole e gigapole

Jaime Oliva

Impressiona nos estudos urbanos brasileiros a negligência conceitual sobre as dimensões geográficas do fenômeno em questão. As conseqüências incidem desde: 1. a nomenclatura, que não se estabelece e é invadida por neologismos que são compósitos sem controle, unindo, por exemplo, prefixos quantitativos ao sufixo polis ("macrometrópole"), 2. até a dificuldade de delimitação das escalas do urbano, algo fundamental para a definição da ordem política, da ordem administrativa e para as práticas do planejamento.
A Geografia tem uma contribuição a dar nesse ordenamento conceitual, instrumento precioso para a eficácia das análises da questão urbana contemporânea. Sua contribuição parte do espaço geográfico, que é sua especialidade. Mas para isso, é fundamental uma virada na postura do geógrafo, nem sempre muito disposto à discussões teóricas, visto sua formação empírica, mais voltada ao “terreno cru.” Ou então por outra razão: o geógrafo é atraído por teorizações de outras disciplinas, que têm mais status que a sua, como um "canto de sereias", e termina não dando contribuição própria.
Uma sugestão para contribuir na qualificação da apreensão da complexidade do urbano é a leitura do geógrafo Jacques Lévy (infelizmente não traduzido para o português), exímio na capacidade de organização conceitual, produto de uma fina e sensível inteligência diante das realidades contemporâneas, algo que ele alia a uma sólida formação intelectual. A seguir vamos expor os critérios que ele emprega na delimitação do fenômeno urbano, e também vamos acrescentar algumas análises aplicativas tendo como referência realidades urbanas do Brasil.
Escala geográfica, território e rede geográfica: Os instrumentos teóricos de base, as ferramentas essenciais, derivam de uma teoria do espaço que gera e retrabalha conceitos como 1. escala geográfica, 2. território e 3. rede geográfica. Pensar as escalas geográficas (algo que os geógrafos praticam precariamente) é essencial na Geografia, quanto considerar as diferentes temporalidades em História. As escalas geográficas são referências das dimensões espaciais dos fenômenos e lógicas geográficas da vida social e também da dinâmica natural. Território a despeito da sua vasta gama de significados instáveis no interior da Geografia pode ser re-teorizado, como o faz Jacques Lévy, como o espaço de referência imediato marcado pela contigüidade e pela continuidade (métricas topográficas). Rede geográfica como uma trama (uma malha) de pontos e linhas articulados, cuja lógica depende da posição (da situação) de cada ponto em relação aos outros (nível de conexão e conectividade). Aplicando esses conceitos na realidade eles vão ganhar substância na medida em que comprovem sua eficiência na apreensão da realidade urbana.
Metrópole: é a designação justa quando a cidade possui um dominante territorial (espaços contínuos e contíguos) e permanece uma sociedade local, espaço do cotidiano de seus habitantes, com um mercado de emprego único e uma boa acessibilidade às suas diferentes realidades espaciais (entidades constituintes). Essa é a escala local. Esse é o caso de Madrid ou da aglomeração parisiense ou de Tóquio (LÉVY, 1997, p. 176). Esse é o caso também da metrópole de São Paulo, composta por vários municípios numa vasta área de dominância territorial (conurbada) com algumas redes superpostas que a expande para as franjas da aglomeração. Essa obviedade não é tida como tal visto que o termo cidade ainda é empregado para se referir aos municípios constituintes da metrópole (essa sim a cidade de São Paulo, de 18 milhões de habitantes). Qual é a escala do cotidiano de quem vive nessa metrópole? É o município? Evidente que não é.
Foto: Luís Paulo Ferraz
Área central de Osasco, um dos municípios da metrópole de São Paulo
Megalópole: quando passamos da escala local para a escala regional no interior de uma configuração urbana estamos passando da metrópole para a megalópole. Nesse caso se trata de uma área que mistura (nem sempre com uma dominância clara) territórios e redes geográficas. É a escala onde não é mais possível praticar todas as relações sociais no interior de uma jornada. Mas, ainda assim constitui um espaço contextual forte para seus habitantes, que podem nele se deslocar e mesmo morar em qualquer ponto sem perder as principais referências cognitivas e afetivas que fundam sua identidade (LÉVY, 1997, p. 176). Esse termo (essa conceituação) tem na obra do geógrafo Jean Gottmann o marco original. São vários os exemplos nos diferentes continentes na medida em que o fenômeno urbano se intensifica: o sudeste inglês, a conurbação (dominante territorial) renana (Rhein – Rhur – Wupper), a planície do Pó na Itália ou a megalópole Suíça (Zurique – Berna - Bâle – Lausanne – Genebra) correspondem a esse nível. Mas também, São Paulo → Campinas → Santos (a megalópole paulista). Numa megalópole a metrópole principal ou as metrópoles que a constituem são as referências mais importantes. Por isso, dependendo dos meios de acesso, pode ser que alguns habitantes da área urbana possam instalar em seu cotidianos percursos nessa escala. É freqüente encontrar exemplos de pessoas que moram em Sorocaba, São José dos Campos, Campinas, Jundiaí, cidades que de certo modo estão na esfera da megalópole paulista, e que trabalham na metrópole paulistana. Seus percursos equivalem a 200 Km diários (ida e volta), mas como são cidades situadas nos melhores eixos rodoviários (são pontos numa rede geográfica) a medida do espaço em tempo corresponde a percursos menores que o de trabalhadores que dependem do transporte coletivo ou de grandes travessias na metrópole propriamente dita. Mas, será então que a escala regional virou nesse caso escala local? Ainda não completamente: habitando em Campinas, Sorocaba ou São José dos Campos, não é completa sua inserção na sociedade local paulistana (não é local de seu lazer, da escola dos filhos, das outras dimensões da convivialidade cotidiana etc.)
Gigapole: uma escala superior à “regional mais local”. Quando há a dominância das redes geográficas (malhas de linhas e pontos) e quando as referências mais fortes (cognitivas e afetivas) são substituídas por um referente comum mais vago, mais abstrato (LÉVY, 1997, p. 176). Para percorrer essa área urbanizada, é possível que seja preciso até mudar de língua, de país, modificar seu cotidiano, como no caso europeu (Dorsal Européia, onde se destacam Londres, Paris, Milão etc. e onde se concentram as principais bolsas, sedes de empresas, aeroportos e rotas aéreas, estações de trens e ferrovias). A Gigapole é uma configuração também possível na escala nacional, algo que na configuração recortada da Europa não se dá. Já é pertinente referirmo-nos a Gigapole japonesa, algo em torno de 85 milhões de habitantes entre Koryama e Fukuoka, ou então ao leste urbanizado dos EUA, com seus mais de 130 milhões de habitantes. São espaços com um nível de coerência dado pelos conteúdos urbanos e pelo grau de articulação geográfica (função também da eficiência das redes) e que criam uma outra escala da vida urbana. Essa articulação gigapolitana acrescenta força às metrópoles que a constituem. Um bom exemplo é o caso de Londres que enquanto metrópole isolada não possui força suficiente para ser definida como cidade mundial. Sua potência mundial é alimentada pelas outras escalas do urbano. Ela depende da megalópole e da gigapole no interior das quais está inserida geograficamente (voltaremos aos temas desse artigo).


Bibliografia

LÉVY, Jacques. Le tournant géographique. Paris: Belin, 1999. 398 p.

__________. Europe: Une géographie. Paris: Hachette, 1997. 288 p.



Para fazer referência a esse artigo: Jaime OLIVA. Escalas do urbano: metrópole, megalópole e gigapole. IN : Espaço, dimensão do social, por Jaime Oliva, publicado 16.11.2008 em http://jaimeoliva.blogspot.com/

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