terça-feira, 20 de maio de 2008

A voz política da classe média

Jaime Oliva

Algo não muito comum vem acontecendo recentemente na cena social e política do Brasil. Um ríspido debate público é o script encenado. Ele tem significado e peso político que devem ser levados a sério, porém seus protagonistas não são os atores políticos costumeiros vinculados a partidos políticos. Não são os chamados “políticos profissionais”. Renascidas das cinzas, depois do fracasso do socialismo, surgem no debate brasileiro as classes sociais. Vários articulistas da grande imprensa manifestam-se em defesa das posições e dos interesses da classe média. Reivindica-se a legitimidade da intervenção desse segmento social na vida política, legitimidade essa que se entende está sendo atacada, tripudiada por outros segmentos sociais e instituições (partidos políticos de esquerda, agentes desses encastelados nas mídias, intelectuais, sociólogos etc.) Contra o quê e contra quem se insurge a classe média? E as outras classes da sociedade brasileira que posições assumem? Nada fácil responder, pois tudo merece antes outra discussão. Afinal o que é a classe média? Quais as outras classes? Qual a produtividade de se olhar a sociedade a partir dessa idéia de classes? Afinal, as classes são evidentes ou conforme critérios adotados enxergam-se algumas classes, que com outros critérios não se enxergaria? Tal como está se colocando na imprensa, o debate está esclarecedor? Um fato é paradigmático: um grupo da sociedade paulistana lançou há um certo tempo um movimento denominado “Cansei...”. Sumiu rápido de cena, talvez tenha descansado... Adesões e críticas a esse movimento ocorreram fartamente e a imprensa se abriu, com a voracidade de quem encontrou um tema que caiu do céu para preencher suas páginas sem maior trabalho. Algo foi afirmado repetidamente pelos críticos do movimento. A expressão empregada precisou ser desempoeirada para voltar a participar do debate público: o “Cansei” tem um forte “caráter de classe”, o que quer dizer que, mesmo sem que seus participantes notem, fala-se em nome dos interesses de uma classe, e não da sociedade em geral. E que classe seria essa? Para alguns críticos “as elites” endinheiradas, para outros a classe média e para outros ainda essas duas expressões parecem soar como sinônimas. Há muito que debater, há muito que refletir sobre essa questão que (perigosamente?) está alimentando as divisões sociais, marcando diferenças, acelerando ressentimentos, com uma discussão política que revela o quão pobres e desinformadas são as leituras sobre nossa realidade, venham da origem social e política que vierem.

As diferenças sociais e o critério de renda: as sociedades modernas, aquelas que se erguem após o declínio das sociedades tradicionais, possibilitaram a seus membros uma liberdade individual anteriormente inviável, assim como uma participação na vida política que inexistia. Tanto do ponto de vista individual quanto coletivo o horizonte (o potencial) passou a ser democrático. Também no que diz respeito à vida econômica potencialmente (ou em tese) o acesso à riqueza seria mais aberto que no passado, nas sociedades tradicionais. Mas isso é uma teoria, pois sabemos que na prática a realização das sociedades modernas é muito complexa, e muito de seus elementos e dinâmicas se afastam dessa teoria: em suma, o que resultou foi o fato dominante de que as sociedades modernas são internamente muito desiguais, e ao longo da história dessas sociedades foram muitas as formas de detectar-se e interpretar essas diferenças. Nesse esforço é que se consagrou a idéia de classes sociais. Será que isso significa que classe social é algo que existe claramente e todos a enxergam da mesma forma? Vejamos um exemplo: se se fala em classe média, supõe-se que ela está numa posição intermediária em relação a dois extremos: um superior e outro inferior. Mas como se determina isso? O que é esse intermediário? Francamente, só parece ser possível definir o que é médio algo que pode ser medido numericamente. Aliás, média não é uma palavra da estatística? Pois bem, o que consagra a expressão classe média é a medida quantitativa da riqueza, ou dito de outro modo a renda. Assim, define-se como classe média aqueles que se enquadram numa faixa de renda média, vejamos: no caso brasileiro em que o salário mínimo atual é de R$ 380,00, quem ganha, digamos, até 5-6 salários para sustentar uma família pode ser chamado de pobre, baixa renda (e aqui os termos são todos vigiados pelo politicamente correto), quem ganha a partir daí até um patamar bem elevado seria a classe média (aí temos no começo da classe média baixa até as classes médias altas, que ganha, digamos, mais de 40 salários mínimos). Acima de R$ 20.000,00 começa a escalada para as classes altas. Esses números são mais ou menos arbitrários, mas servem para entender a idéia da coisa. Classificar, quer dizer, definir classes sociais apenas dessa maneira é suficiente? Com isso toda a complexidade das desigualdades brasileiras fica esclarecida? Agora já é possível identificar o segmento social que os jornalistas (que não se esquivam ao serem denominados como a nova direita) estão dando voz? É possível identificar os valores, os desejos, os comportamentos, os “interesses” desse setor? Não será que apenas o critério de renda é um pouco pobre para compreender a estrutura social no Brasil? Vale a pena discutir. Será que um professor ou um advogado que ganhe bem menos que um operário metalúrgico pertence às classes pobres e o metalúrgico às classes médias? É assim que vemos as coisas?

A estrutura social vista por outro ângulo: na obra de Karl Marx vamos encontrar uma das mais célebres definições de classe social. Compõem uma determinada classe social todos aqueles que ocupam na estrutura produtiva a mesma função e posição. Os donos dos meios de produção (fábricas, por exemplo) formam a burguesia. Os que possuem apenas a força de trabalho e a vendem por um salário ao “burguês” pertencem ao proletariado. São as duas classes fundamentais, o restante seria a “pequena burguesia”, setores sociais composto por profissionais autônomos (médicos, advogados, administradores públicos etc) que se não são burgueses comungam em alguma medida os mesmos valores. Sem dúvida esse jeito de definir classes perdeu prestígio, perdeu poder explicativo, porém ele ainda conta, e se relaciona fortemente com os conceitos de esquerda e direita. Digamos que é outra dimensão da sociedade que não coincide exatamente com a distribuição da renda, mas que está também presente no debate. Para continuidade das discussões, pode se pensar em outros critérios de divisão social, mas os mencionados são os que ainda formam as opiniões, mesmo que eles não sejam tão produtivos para o entendimento do mundo que vivemos. Tudo isso não quer dizer que quando se falar no momento em classes sociais pouco se está dizendo? É bom também lembrar que afirmações sobre classe média desprotegida no Brasil têm que ser também visto pelo ângulo da absurda desigualdade da distribuição da renda no Brasil, que sem dúvida relativiza essa “desproteção.” É bom também ressaltar que um elemento chave da democracia é a legitimidade: uma classe, um segmento, grupos sociais têm sua voz legitimada numa sociedade democrática se os interesses dos outros também forem compreendidos. Algo que no Brasil nem sempre acontece, pois temos segmentos que ignoram a existência dos outros.
Para se referir a esse artigo
OLIVA, Jaime. A voz política da classe média, postado em 20/05/2008,
http://jaimeoliva.blogspot.com/

Um comentário:

pk disse...

Professor adorei seu texto. è muito bom ter pesoas que olham a sociedade de um aspecto diferente da grande maoria das pessoas. Se deus quiser vou ser igual a vc quando eu crescer. Até lá continuarei de adimirando.

Obs: Vc disse que iria comentar o livro novo do Jacques Levi. Tô esperando.

Sem mais Rafael da Silva Almeida.