domingo, 18 de maio de 2008

Em alta velocidade

Jaime Oliva

Se pensamos que o mundo define-se como um conjunto de lugares e sociedades (países) construindo um espaço comum com alguma coerência, embora pleno de desigualdades, com conexões rotineiras e fronteiras facilmente ultrapassáveis estamos próximos da realidade atual. Há muitos elementos que permitem dizermos que o mundo está em construção. Mas trata-se de algo recente. O mundo não existia, pois os diversos espaços nacionais, regionais e locais não se articulavam. A distância geográfica e as impossibilidades políticas e tecnológicas de superá-la não permitiam que se falasse em mundo. Por essa razão o que aqui no Brasil chamamos de globalização (em razão de tradução literal do inglês) os franceses chamam de mundialização, palavra talvez mais adequada, pois expressa que o mundo está se construindo, inclusive geograficamente. E nesse processo conta muito as transformações espaciais produzidas pelas novas tecnologias de transportes e telecomunicações, assim como os engenhosos aproveitamentos desse potencial, tais como os métodos operacionais e logísticos das transportadoras globais, como a FedEx.

Um novo entendimento do espaço: o que acontece com o nosso entendimento sobre o espaço geográfico na medida em que aumentam a velocidade, a abrangência geográfica e a intensidade das relações socioeconômicas? Significa apenas que suas distâncias são mais facilmente superáveis, como já foi afirmado? Ou significa que o espaço muda, na medida em que essas distâncias mudam de conteúdo para humanidade? O que antes era longe agora é considerado perto porque a acessibilidade é muito mais viável. Há autores que se referem a esse fenômeno como sendo, na prática, uma compressão (um encolhimento) do espaço e do tempo, pois as tecnologias de transportes e de telecomunicações (e aí se inclui o modo de administrá-las) estão circulando mais facilmente no espaço. Na verdade elas estão transformando o espaço anterior num outro. Afinal, com a existência de um mundo não é outro espaço geográfico que se fabrica? Um espaço cujas distâncias têm outros significados, já que novas rotas são traçadas (a estrada comercial da FedEx, não é uma criação espacial?), obstáculos são removidos (as fronteiras nacionais não estão mais porosas, mais transitáveis?), novos contextos de encontro e relações são criados, permitindo a co-presença simultânea de participantes situadas em várias partes desse novo mundo (a Internet não se constitui num ciberespaço que viabiliza esses encontros?). Uma reflexão simples, mas necessária, abre o caminho para um comentário sobre a FedEx.
Tenha em mente um ponto central (sua cidade) e duas localidades (A e B), e considere que a localidade A está a 40 Km e a localidade B está a 10 Km. Ocorre que a localidade A está conectada à sua cidade por estrada de asfalto, possui ligações cotidianas por ônibus e tem telefonia, enquanto que a localidade B tem ligação somente por estrada de terra precária, sem transporte regular, não tem luz elétrica e nem telefonia. Em vista dessa realidade que sentido faz dizer que a localidade B é a mais próxima? A localidade mais conectada (A) não está, na realidade, bem mais próxima, afinal é com ela que o número de relações de sua cidade será mais elevado? Não é o caso de dizer que a verdadeira distância está sendo dada pela acessibilidade?
Com essa mesma lógica é possível refletir sobre o modo operacional da FedEx. As mercadorias que ela transporta passam em grande medida pela sua central em Memphis. Por quê? Não parece mais racional que uma mercadoria de origem em Toronto no Canadá comercializada com a Europa, faça um percurso direto de sua origem para o continente europeu sem ter que passar por Memphis, que fica no sul dos EUA? Isso não é uma maneira irracional de encompridar o trajeto? Que motivos há para isso? Serão apenas motivos administrativos? Mas como ninguém bate a FedEx em velocidade de entrega se ela vive encompridando os caminhos? Talvez seja mais perto para a FedEx entregar uma mercadoria no interior do Ceará do que entregar na cidade de São Paulo? Note que, com uma visão tradicional de espaço geográfico, o Ceará está mais próximo dos EUA do que São Paulo? Mas estará mesmo? A “estrada comercial” para São Paulo não está bem mais nutrida por melhores condições tecnológicas? Nela as velocidades não são maiores? O número de conexões não é bem mais largo? Logo a acessibilidade à São Paulo não faz dessa cidade um lugar mais próximo do mundo (e a FedEx é uma das articulações e centros desse mundo)?

O mundo é para todos? As novas velocidades e possibilidades de acessibilidade que estão construindo o mundo correspondem à fabricação de outro espaço geográfico. Isso apresenta novas potencialidades para os seres humanos de um modo geral. Mas será que isso se realiza para todos? O mundo é para todos? Neles estão todos? Vale a pena assinalar que as tecnologias não são operadoras únicas e exclusivas desse mundo? Aliás, elas não podem tudo. Outros fatores são muito importantes para o surgimento desse mundo, para facilitar a circulação de mercadorias e ação das transportadoras. Será que a FedEx tem a mesma facilidade de circulação em países fortemente marcados pela “aversão ao mundo ocidental”, como os “países islâmicos”? As fronteiras nesse caso são porosas, ou são rígidas? Pode-se alegar que o ciberespaço supera e “invade” esses espaços mais fechados à cultura ocidental. Mas, não é bem assim? No Irã, por exemplo, há um controle tecnológico sobre os sites, e muitos não são acessíveis. Quer dizer: o ciberespaço lá é outro. O mesmo acontece na China (tão adulada pelo mundo ocidental) que controla rigidamente o acesso pelo à Internet por parte dos chineses. Não estaria na mesma linha de raciocínio a discussão sobre a acessibilidade das pessoas aos recursos que nos incluem no mundo.

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