terça-feira, 4 de agosto de 2009

Espaço e Técnica

Jaime Oliva
O espaço geográfico moderno tem incorporado - fazendo parte do seu ser - uma infinidade de objetos humanos que deve cumprir algumas funções, mas que acabam por significar muito mais que suas funções originais. Logo, cada objeto não é mera materialidade, mas a função que o justifica, que por sua vez é social. O objeto além de sua fisicabilidade possui uma substância não material. Essa funcionalidade é obtida pelo saber fazer humano. Pela técnica.
Assim, admitir que o espaço geográfico compõe-se também pela técnica humana que está embutida no próprio conjunto de objetos que forma o espaço passa a ser de crucial importância para encontrarmos formas de operacionalizar nossas investigações. Um meio técnico é passível de várias avaliações e medidas, pois as técnicas trazem em si uma datação histórica e muitas outras qualidades (Milton Santos), entre as quais a mais importante é de ser o meio básico do ser humano se relacionar com o mundo material, e também de se relacionar entre si.
Só para realizar um percurso organizador de idéias vamos refletir um pouco sobre a técnica e sua ligação intrínseca com o espaço. As diversas habilidades humanas – o saber fazer – vem sendo expressas ao longo do tempo pela palavra técnica. Do grego techné, técnica é a capacidade de atuar na vida social, nos seus mais diferentes aspectos. Tanto naqueles que se referem à sustentação material da vida – como o caso da produção - quanto nas relações sociais de outra ordem, como por exemplo, em atividades artísticas ou esportivas. As técnicas permeiam a vida social humana no seu conjunto, desde o momento em que se formam as primeiras sociedades. Sem elas não seriam possíveis as interações sociais. Assim, as técnicas são elementos componentes e constituintes das sociedades.
As técnicas, historicamente, antecederam as ciências. Uma de suas principais características era - e ainda é - constituir-se em objetos. É importante lembrar que objeto não é simplesmente coisa. O sentido aqui atribuído ao termo refere-se a tudo que é concebido pelo ser humano para ter uma função, um objetivo. E todos os objetos são feitos com o uso de técnicas. Portanto, todos os objetos são técnicos. E diferentemente do senso comum que naturaliza as técnicas, fazendo-nos crer que elas viriam de outra planeta, ou então, de um destino incontrolável e inexorável do ser humano, será sempre bom assinalar o contrário, que não só as técnicas são imaginadas, fabricadas e reinterpretadas para o uso dos homens, mas é a própria utilização intensiva das ferramentas que constitui a humanidade como tal (juntamente com a língua e as instituições sociais complexas).
O mesmo homem que fala, enterra seus mortos e talha a pedra, inventou e inventa as técnicas que chegam até nós, cozinhando os alimentos, endurecendo as argilas, fundindo os metais, alimentando as máquinas a vapor, correndo nos cabos de alta tensão, fervilhando nas centrais nucleares, explodindo nas armas e nos equipamentos de destruição. Pela arquitetura que o abriga, o reúne e o inscreve na Terra; pela roda e pela navegação que lhe abriram os horizontes; pela escritura, pelo telefone, pelo cinema, o mundo humano é desde sempre técnico. (Pierre LEVY, 1997).
A partir dessas definições, pode-se concluir que o espaço geográfico é constituído por grande quantidade de objetos técnicos. Uma estrada é um objeto técnico, assim como uma indústria também é um objeto técnico, ou um conjunto coerente de objetos técnicos. E a cidade é igualmente um grande sistema técnico. Assim os objetos técnicos introduzidos no espaço geográfico, reafirmamos, passam a constitui-lo e não apenas ocupar lugares.
Um exemplo: a introdução de uma usina hidrelétrica numa área qualquer de um espaço muda as relações existentes entre todos os objetos que o compunham anteriormente. Agora esse espaço não pode mais ser entendido sem a usina hidrelétrica. O espaço geográfico dessa área contém uma usina hidrelétrica e todas as modificações ocasionadas por ela. Desse modo, a usina não é um objeto externo ao espaço geográfico; ela não está no espaço, ela é espaço.

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