segunda-feira, 20 de outubro de 2008

MODERNIZAÇÃO: a instrumentalização da modernidade, o caso do Brasil.

(escrito em 1989)

Jaime Oliva

O uso dessa terminologia, para uma breve avaliação do quadro social do Brasil, exige alguns esclarecimentos prévios. Modernização pode aparecer em textos no sentido literal, como modernidade, com toda a sua complexidade, em andamento (como aparece no Dicionário de Política organizado por Norberto Bobbio). Trata-se de um processo que pode inclusive ser intercambiável com a idéia de ocidentalização. Esse sentido, obviamente, é de grande interesse, mas não é ele que será utilizado agora, e sim outro. O termo modernização também foi empregado no sentido de uma modernidade reduzida, e esse será o instrumento nessa avaliação.
Há pelos menos três posições elementares, para começo de conversa, sobre a modernidade (sem citar nesse momento as posições anti-modernas regressivas)
1. Concordância quase que acrítica sobre seu desenrolar histórico. É vista como desígnio natural, sinônimo de desenvolvimento e de modernização. Predomina nessa visão, como núcleo de sua ocorrência, o crescimento econômico, tido como valor supremo da humanidade. Esse é o domínio da razão instrumental.
2. Modernidade como projeto incompleto, pois se encontra instrumentalizada, invadida em todas as suas dimensões pela razão instrumental, sistêmica a serviço de um economicismo reducionista da condição humana, que minora e não engrandece. Assim o social, o político e o cultural se submetem à razão objetiva. O sujeito se manifestaria livremente com o desenvolvimento da razão comunicativa (cf. Habermas). Contudo, essa se encontrada soterrada, mas viva, buscando se libertar.
3. Modernidade falida, esgotada, liberando a história para o desenrolar de uma pós-modernidade enigmática. A razão está identificada como instrumento de dominação e de opressão. Das relações macro até as micro do cotidiano.
Vamos olhar mais de perto as vertentes críticas da modernidade. Em primeiro lugar a modernidade como projeto incompleto. Podemos chamá-la modernização. Essa é a preferência de Habermas. Este autor se refere à modernização com vertente opressora da modernidade. Portanto, uma modernidade reduzida, já que para ele a modernidade daria condições ao ser humano para sua emancipação. Está visão aparece diferentemente em vários autores. Alguns exemplos:
A exploração do homem pelo homem – Karl Marx (modernidade como capitalismo)
A burocratização – Max Weber
A vida administrada – Theodor Adorno e Max Horkheimer
O homem unidimensional – Herbert Marcuse
A sociedade burocrática do consumo dirigido – Henri Lefebvre
Modernidade como projeto incompleto – Jürgen Habermas
O colapso da Modernização – Robert Kurz
Declínio do Espaço Público – Richard Sennett

Quanto ao entendimento da modernidade como projeto falido, os críticos mais célebres são os desconstrucionistas franceses. Vaidosos costumam esconder sua filiação. Seus progenitores são, por exemplo, Nietzsche e Heidegger. Foucault, Castoriadis, Derrida, Lyotard são personagens de ponta e suas críticas ferinas são:
União saber e poder – Foucault
Morte do sujeito – Derrida
Fim da sociedade, surgimento de tribos – Baudrillard, Mafesolli
Num país como o Brasil, em que a transição de modos de vida tradicionais (que, aliás, ainda se reproduzem) para a forma moderna ainda está longe de seu final, parece mais adequado empreender uma avaliação tendo em vista a idéia de modernidade como projeto incompleto. Vamos indicar alguns caminhos para essa avaliação e ver se eles revelam alguma validade que vale a pena ser explorada.
O Brasil foi e é espaço da modernização no sentido de Habermas. Pelo menos parece ser produtivo pensar nesse sentido. Essa foi avassaladora e inteiramente instrumento de uma modernidade econômica com poucas referências internas e com muitas relações de outras escalas geográficas. Houve negligência com uma real modernidade social emancipadora. O que usurpa seu lugar é um quadro social marcado por privilégios, lobbies, clientelismo, patrimonialismo e um quadro político com organizações com baixas referências públicas e muitas posturas mafiosas.
O inevitável confronto constituidor da modernidade entre o domínio da razão instrumental e a emancipação do sujeito individual e coletivo manifesta-se no país como um desequilíbrio notório a favor da razão instrumental. Em termos práticos e descritivos o Brasil foi e está sendo modernizado tendo como comandante seu aparelho estatal, também instrumentalizado pelo econômico, pela lógica econômica construída noutra escala. Suas elites mantêm-se separadas do restante da população, inclusive em termos geográficos. A população é vista pela cultura do Estado e das elites como objeto e não sujeito. Como se referiu o filósofo francês Claude Léfort “... no Brasil as elites se comportam como se o destino da população em geral não tivesse nada a ver com elas, as elites.” A modernização econômica é intensa, transformadora, desorganizadora, criadora de entropias culturais várias. As populações envolvidas nesse turbilhão foram deixadas à revelia. Populações desamparadas tratadas como objeto.
Algumas perguntas convencionais podem ser feitas sobre as patologias sociais, políticas e culturais do Brasil. Mas, são repetitivas e perderam seu valor heurístico. É preciso invertê-las, para que outra face do país se revele. A pergunta não deve ser mais por o país tem os problemas que tem, mas sim por que não tem mais?
Por que as metrópoles brasileiras ainda funcionam?
Por que não tivemos mais sublevações no campo?
Por que os índices de miséria não são maiores?
Por que a criminalidade não é maior e as populações pobres são tão pacíficas, diante da violência instrumental do modelo dominante?
Como as populações urbanas mais pobres aprenderam a sobreviver nas cidades, onde a modernidade para elas é ficção? Como construíram suas redes de solidariedade e comunicação?
Por que os instrumentos políticos modernos e a cidadania não parecem servir para a emancipação destas populações mais pobres?
Outras questões do gênero podem ser acrescentadas. O que importa agora é indicar um possível caminho para respondê-las. Não teriam as populações pobres inventado formas a revelia da modernização instrumental? O novo, como diz Milton Santos. A diferença como diz Jacques Rancière? Aqueles que são obrigados a negociar a vida inteira no dia a dia, que convivem com níveis assustadores de carências materiais e institucionais não teriam feito muito? Não seriam as assertivas sobre o nível de politização dessas populações (apolíticos, despotilitizados, inconscientes, vítimas de manipulação etc) produtos de uma visão elitista de sujeitos inseridos numa ordem instrumental que vêem essas populações como incapazes? O que seria o mundo criado pelos que ficaram à revelia? Tradicional precário, ou depositário de uma energia que precisa identificada e direcionada para sua emancipação, para sua libertação de uma modernidade opressora. Em direção a uma modernidade que o valorize o sujeito e o entendimento? Ou de fato no âmbito da modernidade não hipótese para essa emancipação e ingressamos no abismo caótico da pós-modernidade?

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